A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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Cidade maravilhosa

(Artur da Távola)

Atenção, programadores, divulgadores, cronistas de jornal, repórteres, batedores de papo, tomadores de chope, intelectuais de botequim, moças catitas, estudiosos da MPB, radialistas, pessoas de bom gosto, carnavalescos, turmas do Bola Preta, Confraria do Garoto, Banda de Ipanema, Bloco Simpatia é Quase amor, radialistas, turmas de esquina, de rua, gravadoras como a Collector's e a Revivendo, velha guarda do Tijuca Tênis Clube, do Fluminense, do Flamengo, do Botafogo e do Vasco, muita atenção!

Quase um mês depois do Carnaval que se aproxima, exatamente no dia 21 de março, um grande compositor popular, hoje mais conhecido pelas músicas que pelo nome, estará a completar cem anos. Ele é nada mais nada menos que o autor da música mais tocada até hoje no Rio de Janeiro, alegra o mundo todo, define o Rio e o divulga, isso, além de abrir todos os bailes de carnaval e deixar cada carioca arrepiado, mesmo que já a tenha ouvido mil vezes. E assim será pelos séculos e séculos, Amém. Seu nome, digo com reverência: ANDRÉ FILHO.

André Filho, que partiu para o reino dos esplendores, fechado em si mesmo, em 1974, felizmente pôde, ainda em vida, ver a sua antes inocente marchinha de carnaval ganhar o tom de ícone, de símbolo de solenidade, em 1960, quando, por força de Lei, foi transformada no Hino Oficial da cidade-maravilha. Esta é a verdadeira glória.

Antes de tudo isso, ainda garotote, órfão desde tenra idade, estudava música e tocava bandolim, piano, violão e violino. No colégio, já rapaz, seguia mergulhado em música. Almirante, seu colega, talvez tenha sido quem o aproximou do rádio como cantor. André cantou por muitos anos, sem obter especial sucesso. Mas cantava direitinho, segundo testemunhas da época. Para sobreviver, ele "se virava" (como se dizia) em atividades sempre ligadas ao rádio: foi locutor, arranjador de conjuntos musicais e compositor dos primeiros jingles que, na época, chamavam-se "reclames". Junto, surgia a sua obra musical: Cadê a Colombina e, ainda na década de trinta, Eu Quero Casar Com Você; Bamboleô; Mulato de Qualidade; Não Choro Mais; Filosofia (em parceria com Noel Rosa); Alô, Alô; Cidade Maravilhosa (em 1934); Baiana do Tabuleiro; Chorei por teu Amor; Quem mandou, e muitas outras Nas décadas seguintes, continuou a compor e viu, dia a dia, semana a semana, mês a mês a sua Cidade Maravilhosa crescer, universalizar-se, esplender, síntese perfeita da alma do Rio.

Há sempre um elemento misterioso na alquimia musical. Em determinado momento, sem racionalizações e motivos especiais, emerge do inconsciente do artista algo que irá ligá-lo com uma cidade, países ou multidão.

André Filho merece comemorações em seu centenário no mês que vem e durante o ano todo. Soube que há um grupo com um projeto de show histórico, exposições etc. sobre sua vida e obra. Tomara que o poder público o apóie e a iniciativa privada forneça mais recursos para esta e muitas outras homenagens.

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