Há tempos escrevi, aqui, um artigo sobre o quão fascinante é
a inteligência humana. Falei sobre o óbvio: afinal, nada mais que
filósofos do óbvio somos nós, os cronistas. O óbvio
(cuja descoberta é uma raridade) é a nossa matéria prima
e ganha pão. Eis que outro dia reencontrei uma carta, de querida colega
de colégio primário, Clarisse de Oliveira, amiga, portanto, há
mais de 60 anos! Ela me revela o quanto o coração, desde os egípcios
antigos, mais que o cérebro, aparece como o órgão do equilíbrio
emocional necessário ao verdadeiro exercício de lucidez e da inteligência.
Deixemo-la falar. Diz Clarice, claríssima, como seu belo nome:
"Meu bom amigo":
- "No teu artigo "A Inteligência", destaco o trecho: "é
necessário possuir equilíbrio emocional para fazer da inteligência
um instrumento da verdade, e da compreensão e não de poder".
E acrescento:
A inteligência é o cérebro macio da estrutura existencial.
Quando os egípcios colocavam o coração como órgão
principal do ser humano na captação da sabedoria e da espiritualidade,
não estariam eles pondo essas coisas além do raciocínio?
Seria o cérebro desprezado por ser racional e nele não caber a
sabedoria e o vínculo para a espiritualidade? De todos os órgãos
extraídos da múmia - ou do candidato a múmia - só
o coração era substituído. Conforme as posses da "múmia",
a substituição era feita por uma pedra de grande ou pequeno valor.
Parece que o raciocínio era manifesto por equilíbrio emocional.
Do equilíbrio emocional, sim, vinha a Luz. A Luz, que poderia ser Maat
(A Verdade) se espalhava sobre a vida, filtrando-se através da maciez
do cérebro.
O coração, portanto, mandava no cérebro.
Não um coração emotivo, de primitivismo descontrolado,
como o das mulheres apaixonadas. Mas sim o órgão capaz de dar
ao homem a Luz e a Verdade.
Como puderam eleger "um controlador da circulação" o
órgão da Sabedoria? Talvez porque sentissem a alteração
circulatória do homem nas etapas que ele atravessava para a iluminação,
guiado pelo Sacerdote. Conheço tantas inteligências à espera
de cultura e sabedoria..."
Conclusão minha: seja no cérebro, seja no coração,
minha amiga Clarice é muito inteligente. Talvez o cérebro sirva
apenas para ordenar e verbalizar o que o coração copia, sabe,
sente, prevê, elabora, adivinha, perscruta.
E salve o coração, sede da inteligência....
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