O que torna difícil e enigmática a relação amorosa
é o fato de se sustentar em três pilares que, se não são
opostos, também não são equilibrados nem harmônicos.
Diferentemente dos poderes da República, que devem ser independentes
e harmoniosos entre si, no amor, e, principalmente, na paixão, eles são
dependentes e desarmoniosos entre si: refiro-me ao tripé indispensável,
mas eternamente instável: afetividade, sensualidade e segurança.
É tema para um livro e muitos estudos, pois esses elementos vivem entrelaçados
como os cipós de florestas fechadas.
· SEGURANçA: não há lei que mande um marido ou
uma esposa serem afetivos, carinhosos, atentos, mas os códigos já
puniram, e ainda punem, em determinadas culturas, um nível de sensualidade
que, constantemente, conduz à sedução, à exacerbação
dos sentidos e até ao chamado adultério. Um mistério profundo
este que leva o homem e a mulher em estado de amor a garantir-se segurança
através da imposição de lealdade e fidelidade ao parceiro/a.
E veja: por mais evoluída que a pessoa seja ou queira ser, raramente
neutralizará sua necessidade deste tipo de segurança. É
que, emocionalmente, a segurança na relação não
pode ser desprezada. Jamais vi a tal da "relação aberta"
dar certo (ou ter continuidade). Dura um pouco e logo se dissolve. A segurança,
tida em si como indispensável, é poderosa e castradora, até
porque capaz de sustentar uma relação rotineira e fora do prazer.
· AFETIVIDADE: esta inclui a afinidade, o sentimento dominante, condição
fundamental do relacionamento amoroso. A afetividade está sempre presente
no lado mais carente de todos nós: o lado carência, infância,
dependência, necessitado de afeto e compreensão. É variada
e deslumbrante em seus disfarces. Ora é carinho, ora é paciência
e atenção, ora é capacidade de calar discordâncias,
ora é fingir que não vê. É o elemento que melhor
se dá com os outros dois. Mas, sem a segurança, torna-se inócua,
e, sem a sensualidade, se torna tênue, embora possa operar prodígios
de resistência em uniões nas quais sensualidade e segurança
estão ameaçadas. Afeto é cimento. Está mais perto
da alma que do corpo.
· SENSUALIDADE: é inimiga da segurança e auto-eximida de
afetividade, embora só funcione a favor da relação amorosa,
quando entrosada com as mesmas. Contraditória, pois. Mas é assim.
É o pólo subversivo, talvez terrorista, e o que mais ameaça
as relações estáveis (ou ditas estáveis). É
assim desalmada, mas é indispensável na relação.
Daí a sua contundente contradição. Ela é, por definição,
inquieta, exigente, inesgotável, resiste com dificuldade a cansaços
e desencantos. No caso de não se dirigir apenas ao objeto amado, exige
variedade, cede a vaidades, é carente e aceita qualquer estímulo
novo. É um dos elementos complexos e misteriosos da relação
amorosa, principalmente porque levou milênios disfarçando-se para
poder sobreviver em sociedades que a condenaram, condenam e temem exatamente
por seu caráter desintegrador e, paradoxalmente, pela forte e insuperável
e enorme dose de prazer que assegura.
Que pena, o espaço acabou.
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