Há anos penso no time do América e faço a mim mesmo uma
pergunta: Por que o América é o segundo time de todos os torcedores
de outros? Por que o América? Qual a teia emotiva misteriosa que percorre,
como serpente uróboro, todos os torcedores cariocas e fluminenses e os
unifica na simpatia pelo América? Antes, uma palavrinha sobre que diacho
é isso de serpente uróboro? "O senhor está ficando
complicado, seu Távola".
Uróboro é o nome brasileiro dado a uma figura da mitologia grega,
interessantíssima como símbolo, o de uma serpente que se alimenta
de si mesma, comendo-se aos poucos a partir do próprio rabo e esse ciclo
jamais se fecha, numa unidade eterna. Ela é imortal. A idéia mais
profunda desse símbolo está nas fantasias inconscientes, aquilo
que Jung denominou de arquétipos do inconsciente coletivo. "Ô
Távola, para explicar o senhor complica ainda mais". Nada disso!
É simples: há certas idéias, certos mitos e lendas que
são comuns a todos os povos, ainda que sob formas diferentes. Pois essa
serpente eterna e universal é a que liga a humanidade como tal, pelo
fio invisível de suas verdades e mitologias.
"Tudo bem, mas o que isso tem a ver com o Mequinha"? Tem. Qual a razão
mais funda pela qual é o segundo time de todos? Por uma razão,
penso. Por não ter a dose de crueldade necessária às vitórias
desportivas. A falta da crueldade para o golpe decisivo, essa supressão
de uma agressividade típica ao bicho homem é o que o faz preferido.
Dele jamais virá a dureza, a voracidade e até implacabilidade
necessária às vitórias. Sem certa crueldade ninguém
suportaria as dores da vida. É inato e uma das expressões de nossa
eterna imperfeição. Daí, como compensação
para a frieza e a maldade mínima, mas que seja necessária às
vitórias desportivas (e o desporto é a guerra da paz), o popular,
pela cor rubra da camisa, o identificou com o diabo. Os "diabos rubros",
diziam os locutores de antigamente, inconscientemente a tentar atribuir algum
diabolismo a um time caracterizado por sua bondade celeste, pela sua impossibilidade
dos graus maiores ou menores da frieza e crueldade de que são constituídas
as vitórias.
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