A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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E o América perdeu...

(Artur da Távola)

Há anos penso no time do América e faço a mim mesmo uma pergunta: Por que o América é o segundo time de todos os torcedores de outros? Por que o América? Qual a teia emotiva misteriosa que percorre, como serpente uróboro, todos os torcedores cariocas e fluminenses e os unifica na simpatia pelo América? Antes, uma palavrinha sobre que diacho é isso de serpente uróboro? "O senhor está ficando complicado, seu Távola".

Uróboro é o nome brasileiro dado a uma figura da mitologia grega, interessantíssima como símbolo, o de uma serpente que se alimenta de si mesma, comendo-se aos poucos a partir do próprio rabo e esse ciclo jamais se fecha, numa unidade eterna. Ela é imortal. A idéia mais profunda desse símbolo está nas fantasias inconscientes, aquilo que Jung denominou de arquétipos do inconsciente coletivo. "Ô Távola, para explicar o senhor complica ainda mais". Nada disso! É simples: há certas idéias, certos mitos e lendas que são comuns a todos os povos, ainda que sob formas diferentes. Pois essa serpente eterna e universal é a que liga a humanidade como tal, pelo fio invisível de suas verdades e mitologias.

"Tudo bem, mas o que isso tem a ver com o Mequinha"? Tem. Qual a razão mais funda pela qual é o segundo time de todos? Por uma razão, penso. Por não ter a dose de crueldade necessária às vitórias desportivas. A falta da crueldade para o golpe decisivo, essa supressão de uma agressividade típica ao bicho homem é o que o faz preferido. Dele jamais virá a dureza, a voracidade e até implacabilidade necessária às vitórias. Sem certa crueldade ninguém suportaria as dores da vida. É inato e uma das expressões de nossa eterna imperfeição. Daí, como compensação para a frieza e a maldade mínima, mas que seja necessária às vitórias desportivas (e o desporto é a guerra da paz), o popular, pela cor rubra da camisa, o identificou com o diabo. Os "diabos rubros", diziam os locutores de antigamente, inconscientemente a tentar atribuir algum diabolismo a um time caracterizado por sua bondade celeste, pela sua impossibilidade dos graus maiores ou menores da frieza e crueldade de que são constituídas as vitórias.

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