Bizâncio, o farmacêutico, é um senhor de pouca barriga e
cabelos ralos. Inteligente e lépido. Pessoa agradável. Vivido
e repleto de histórias gostosas de ouvir. Mas, como é inevitável,
ocorrem-lhe esquecimentos de nomes (de ruas, de pessoas, de artistas), quando
está no melhor da narrativa. A propósito, adorou quando lhe contaram
(tanto que esta ele não esqueceu) a história daquela senhora tipo
matrona antiga, mandona, que, em conversa com alguém, de repente chamou
a neta, sem fugir do estilo autoritário:
"-Mariana, minha filha, como é mesmo o nome daquele médico
que vive a me aborrecer?"
A gata, já cansada de ser chamada para a mesma resposta, babuciou meio
que naquele tom de má vontade característico da atual juventude:
"Dr. Alzheimer, vovó!"
Bizâncio adorou a história e, dia desses, em almoço com
o amigo Angelo Andelnyr, este, um severo professor de informática, o
farmacêutico lembrou-se de hábito de cinqüenta anos atrás.
Com este calorão (e o calor era o assunto), sobrara-lhe um tanto de sorvete,
e ele, de imediato, voltou no tempo e, num ato de inspiração prazenteira,
colocou o resto do sorvete (diet, é claro) no copo em que havia Coca
Cola (também light) pela metade. E ficou a viver a felicidade do sabor
efervescente e bem timbrado, gostinho esquecido nas dobras de sua palatabilidade.
A imaginação logo lhe voou para a juventude. Por exemplo, lembrou-se
de que a Coca Cola chegara ao Brasil em 1942. Tinha seis anos de idade... Boa
memória.
Falou desse tempo bom para o Ângelo, viveu em silêncio emoções
das delícias do Rio de 40, 50, 60 anos atrás e foi conversando,
conversando, tudo por quê? É aí que entra a história
daquele médico alemão que aporrinha a gente: Bizâncio não
se lembrava do nome da mistura de Coca Cola com sorvete e dava-se tempo, falando
sem parar, para ver se a memória lhe devolvia à língua,
o nome daquela espumante alquimia.
Aí se lembrou da história da senhora mandona e da neta mal humorada
e perguntou ao Ângelo: "-Como é mesmo que se chama isto"?
A resposta veio fácil, imediata, com a maior naturalidade: "Vaca
preta, senhor Bizâncio."
Vaca Preta! Delícia de tantas juventudes, invenção carioca,
prazer dos trópicos que atenua a torradeira do ar... É o tal do
Dr. Alzheimer, pensou ele, a me aporrinhar o juízo com esquecimentos
simplórios. Vaca Preta!
Certa nostalgia disfarçada tomou conta de seu ser.
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