Alguns anos atrás, no fim da vida, o grande pintor brasileiro Milton
DaCosta sem poder falar, se comunicava apontando letras à sua frente,
formando pequenas frases. Dessa forma, expressou a um amigo:
"Estou feliz. Não tenho queixas. Às vezes choro".
Estas frases, aparentemente contraditórias, construídas lentamente
por quem já não podia falar, através do método de
apontar letras à sua frente, são de significado amplo e comovente,
como as figuras de suas telas. Representam, pungente e salvadora concepção
de vida. Um pintor gravemente enfermo, sem poder falar ou pintar, ao dizer "estou
feliz" significa a compreensão serena de que é feliz quem
cumpre, neste mundo, integralmente, a função para a qual veio
destinado por misteriosa determinação.
A segunda frase, "não tenho queixas", representa a resignação
verdadeira, a aceitação da vida, da enfermidade, da morte, o que
só a maturidade traz: compreensão ampla e generosa das coisas,
as boas e más, ofensas, elogios, risos e dores, o sentido de perdão
e tudo o que porventura o feriu ou machucou. A dor de saber-se para a morte.
A esperança.
A terceira é aparentemente contrária à primeira: "Às
vezes choro". Mas como chora se está feliz e não tem queixas,
perguntará alguém dominado por lógica implacável?...!
Choro, diria ele, porque partir é triste. Choro, porque a condição
humana é atrelada à vida e aqui somos afeto e esperança.
Era o choro recatado de quem se sabe em partida para o desconhecido e mesmo
feliz por haver cumprido sua sina e vontade, despede-se com dor. Só quem
é capaz de ser feliz sente, com saudade antecipada, a dilacerante despedida
do mundo que ajudou a fazer melhor.
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