2 de maio - ontem - marcaria os 99 anos de Ataulfo Alves. Nos quase quarenta
de seu falecimento, o público foi sendo posto à distância
da obra notável do compositor, devido à inexistência de
programação eclética e variada em nossas emissoras de rádio
em geral. Por outro lado, obras como "Leva meu Samba", "Laranja
Madura", "Pois É", "Sei que é Covardia",
"Atire a Primeira Pedra", "Mulata Assanhada", "Meus
Tempos de Criança" e desde sempre o clássico "Amélia"
transformaram-se em clássicos de nossa MPB.
Como terá sido possível - e foi - emergir através do talento
em meios que, então, quase só deferiam prestígio e notoriedade
aos brancos, como o rádio, o disco e o show? Estudando-se a vida de Ataulfo,
ressalta impressionante a capacidade de invenção e a criatividade
daquele menino de paupérrima origem, vindo para o Rio com 17 anos, sem
qualquer estudo ou chances de subir na vida, e com lances de criatividade, aplicação,
sensibilidade inata mais o talento elaborado de autodidata. E Ataulfo consegue
recuperar através da música popular o acento de tristeza ancestral,
milenar, da sensibilidade africana aplicada ou metamorfoseada nas letras e melodias
oriundas de um tipo de estesia típico dos anos 30, 40 e 50, no Rio de
Janeiro.
A sua formação era a do pai, violeiro e cantador. A influência
mais antiga, a da infância, dotava-o de um universo estético cultural
peculiar: o interior de Minas Gerais. A propósito desta, o próprio
Ataulfo dizia: "Eu acho que guardei na memória, sem saber, muita
toada da roça, e isso tem influência no meu samba; é por
isso que ele é assim triste..."
Havia, ainda, no fundo do seu ser, a sensibilidade milenar da raça negra.
De que nobrezas africanas proviria? De que tristezas e dores ecoadas na noite
dos tempos teria surgido um canto assim, carregado de lamentos, embora encapado
de alegria?
"[...] Foi de repente. Senti alguma coisa dentro de mim que me mandava
fazer música. Veio a primeira, depois não parei mais. Se pudesse
faria pelo menos umas dez músicas por dia. O samba passou a ser a minha
vida."
Salve, Mestre Ataulfo!
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