O neto é um "filho" com quem se relaciona sem ansiedade. É
suave, é bom, é benfazejo esse amar solto e compreensivo, sem
a aflição e as dúvidas de quem educa diretamente, com os
pais. Tudo isso em um tempo no qual já se está a compreender muito
melhor a vida, a alma infantil, tendo aprendido a "ler" sutilezas
de caráter e comportamento que os pais nem sempre percebem. Ver e orientar
sem que o neto se ressinta. E sem especiais compromissos com "ter que acertar".
Ah a maravilha de compreender a aflição de uma criança
e saber aplacá-la com calma e doçura! E, no entanto, toda essa
sabedoria, superioridade e segurança dissipam-se no instante em que o
neto ou neta nos devolvem sua manifestação de amor ou gratidão.
Derretemo-nos como sorvete num sol de 40 graus
Os netos nos tornam filosóficos. Diante deles, suas brincadeiras e as
marcas de semelhanças esparsas conosco ou outros ancestrais, que aos
poucos vão ficando claras, medita-se sobre si mesmo, somos ainda mais
gratos a nossos pais e avós, melhor compreendemos nosso papel nesta vida.
Cessam paixões e opiniões que ás vezes nos levam a discussões
ou a defesas acentuadas de pontos de vista, tudo cessa diante do mistério
da procriação ali patente, diante de nós e se infiltra
na alma a suave sensação de missão biológica cumprida.
O grande segredo da vida é a compreensão. Compreender é
muito difícil. Em geral, interpomos as nossas crenças e opiniões
entre nós e os outros, fechando-nos para esse novo que é receber
o que nos chegue da vida sem classificar, com a alma aberta. A idade traz compreensão
à custa de experiências vividas e sofridas.
Difícil, com os netos é a dor que se mistura ao sabor da convivência,
quando se vão para casa. A gente vê um bichinho daqueles amarrado
na cadeira que fica no banco de trás do carro do filho. E o carro parte
para um desconhecido onde existe uma cidade agressiva, um mundo de guerra e
intolerância. E enquanto perdura o perfume de alma que os netos ou netas
nos deixam, paradoxalmente a gente se sente muito mais só do que o habitual.
Pululam pensamentos dolorosos - quê fazer?- sobre se teremos ainda muitos
anos com eles, podendo vê-los crescer, ou se alguma trama do destino nos
espreita (ou a eles) para levar da vida antes da hora.
Ah os netos! Quantas lições.
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