É fim de tarde. Ao longe e ao perto, brasileiros se unem num basta à
violência. Solidário, no silêncio de meu gabinete, creio
que escrever a você é também um aceno de paz, pois pressinto
essa instância como parte abençoada de seu interior.
Sabe por que lhe escrevo menos que deveria? É porque fico a esperar o
momento adequado, o texto certo, muito a dizer. A sua seriedade e talento, de
repente, estavam a exigir de mim uma impostação que (dei-me conta
hoje) estava equivocada. Ora, será somente quando eu tiver algo de importante
a dizer, é que devo dirigir-me à pessoa que em seu mistério
trouxe presença de distinção e luz? Não! Amizade
é para exercitar espontaneidades e dar-se ao delicioso e inconseqüente
expediente de simplesmente comunicar-se, sem nada de importante e significativo
para dizer. Ao contrário: é o leve agrado do compartir existência
e presença de quem se admira e que se quer bem.c
Sabe? Esses dias foram de intensidades dolorosas. As últimas semanas
no Brasil e no mundo, com a violência e acontecimentos trágicos.
O desespero de pessoas presas em um ônibus incendiado por pura maldade.
A morte de um amigo de meio século, espécie de meu irmão
mais velho. A mim, que fui órfão de pai e fiquei filho único
pela morte prematura de minha irmã de nome lindo, Eleonora, e olhar de
santa, esses sentimentos da infância igualmente me povoaram a lembrança.
Nada disso, Távola! Busca ser simples, direto e afetuoso com as pessoas
com quem consegues proximidade de alma. É tão grande a incomunicação
humana que, quando ela se dá, é como comer manga: sim, depois
dos quarenta anos, disse eu certa vez em uma crônica, não se pode
perder qualquer oportunidade de comer manga. A vida vai encurtando e cada manga
deixada de lado não volta. É perda gravíssima... Como a
amizade dos afins. Cada afinidade não vivida atenta contra o Bem.
Falas hoje em manga, outro dia aludiste ao torresmo! Será que por tuas
restrições alimentares estás a confundir sabores com afetos,
Távola?
Mas afeto e admiração têm sabor. O que diz você, sábia
escritora?
Enfim, acho que logrei a leveza e a superficialidade deliciosa de quem quer
apenas se comunicar e, não, desempenhar o papel intelectual ou apenas
de mais velho, vivido e experiente, que, às vezes, por engano, me atribuem.
Ainda há uma semana vi milhares de pessoas de branco a fundir o compromisso
da paz. Isso sim muda o Brasil e o mundo. Não o ódio, que parece
sangria desatada. Já, na verdade brasileira, só um processo educativo,
permanente, igualitário e democrático reverterá o quadro.
Que bom! Estou dispersivo, mas espontâneo. Agradeço-o a você.
Sempre mais,
Artur da Távola
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