A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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Real ou aparente?

(Artur da Távola)

Com muitos anos de estrada no jornalismo, tenho uma tese, defendida, aliás, há alguns anos em Congresso em Barcelona, para a completa indiferença do plenário... É a de que o noticiário, no Brasil e no mundo, salvo exceções, está dominado pelo hiper realismo.

O lema do hiper realismo pode ser sintetizado na frase que alguém certa vez usou para defini-lo: "Mais verdadeiro que o real." Ele acrescenta maior precisão e nitidez, mais força e expressão ao que está sendo focalizado, enquadrado. É pedaço da realidade, ampliada e isolada do contexto e que faz a aparência da realidade total ampliar-se na impressão do espectador, aumentada por lentes, aproximações e destaques. O hiper realismo aumenta a estranheza e insere um elemento estimulador de reações, sem se afastar do real mas tornando-o maior do que é, simulando, inclusive, ser ele a expressão da realidade total e construindo uma linguagem na qual o recurso da ênfase e da verossimilhança se transformem no próprio discurso. Distorce o real sem dele se afastar. Daí a dificuldade de ser percebido em seu sorrateiro processo de "aquecer" o real com fragmentos amplificados da própria realidade.

O hiper realismo transforma em linguagem o que é recurso, como a ênfase, por exemplo. Recria o real através dele mesmo, sem reproduzi-lo mas se utilizando de seus elementos para a criação de uma instância própria, de alta expressividade e participação embora pareça relatar o acontecido de modo imparcial (sob a capa da objetividade informativa). É estratagema de pungente força transfiguradora, pois utiliza, além do próprio real, a verossimilhança e a meia verdade, unindo-as num todo coerente, verdadeiro e ao mesmo tempo ilusório. É a mais penetrante e sutil forma de denunciar porque só é subjetiva no momento da escolha da objetividade destacada. Ou, no dizer de Karin Thomas: "A temática fundamental do hiper realismo é a ilusão da realidade e a realidade da ilusão".

Para concluir, concordo que a imprensa até julgue. Está no seu direito e dever. Já não concordo quando após julgar, promove o linchamento. Ou quando já dá a notícia julgando e condenando. Para no dia seguinte iniciar o linchamento moral. Mas felizmente isso não está presente na maioria dos casos.

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