Amiga minha ficava a se sentir culpada no dia de Finados por não ir ao
cemitério visitar seus pais e uma irmã, enterrados em lugares
diferentes. Veio me perguntar por quê o sentimento de culpa. Como também
o tenho e defendo que a gratidão aos pais deve ser permanente, diária,
ainda que seja pelo simples fato de nos terem legado a vida, como diz a Seicho-No-Ie.
Fui ver os livros, sempre sábios. A verdade é que quando depois
de muito tempo visitei e orei diante do túmulo onde jazem os ossos de
meus pais e minha irmã, misteriosamente minha vida melhorou deveras.
Não no sentido material, mas no interior, felicidade, qualidade de vida,
paz. Pois desde aí, o assunto passou a me desafiar e hoje (inclusive
agora) agradeço, várias vezes por dia a vida que os pais me concederam
e o milagre de um nascimento que foi filho do amor. Aprendi também, duas
coisas que aos quase setenta anos não sabia e tem, segundo a Igreja Católica,
uma definição: é que o dia de Todos os Santos, por quase
ninguém lembrado (hoje nem feriado é) destina-se a uma forma de
reflexão e oração e o seguinte, ou seja, o de Finados,
a outra. E ambos se referem aos mortos. E sem terror. Talvez nem seja necessário
ir ao cemitério e viver o ritual de dor e saudade renovadas, pois ambos
festejam a esperança. A concepção é belíssima:
Vejam o que diz em perfeita síntese, o estudioso A. de França
Andrade em seu livro "Cada Dia Tem seu Santo"- Editora ArtPress acerca
do dia 1º de novembro, o de Todos os Santos:
"Neste dia é celebrada a Igreja Triunfante, constituída
por todos os bem-aventurados que salvaram sua alma e estão no Paraíso,
na posse da visão beatífica de Deus. Os inumeráveis heróis
anônimos, na sua imensa maioria esquecidos pelos demais homens e pela
História, que ao longo dos tempos foram passando desta vida para a Eternidade
em estado de graça, e pelos méritos da Paixão de Nosso
Senhor Jesus Cristo foram sendo admitidos no Paraíso, todos esses, embora
esquecidos na terra, são santos e são honrados pela Igreja neste
dia"
Já para o Dia 2, considerado o dos mortos, as orações são
carregadas de esperança e vida. Vejam o que diz o mesmo autor:
"Depois de ter celebrado, no dia 1° deste mês, seus filhos
admitidos à Glória eterna, a Igreja, mãe compassiva e misericordiosa,
recorda hoje aqueles que já salvaram suas almas mas ainda não
puderam entrar no Paraíso, por estarem se purificando no Purgatório.
Ela incentiva os fiéis a rezarem por essas almas padecentes e abre com
liberalidade, em benefício delas, os tesouros de suas indulgências
."
Dá, assim a Igreja Católica em sua inteligência, a nobreza
de uma reflexão profunda para o que chama de "bem-aventurados e
inúmeros heróis anônimos na imensa maioria esquecidos pelos
demais", ou seja, seres humanos de vida elevada e por isso santa mesmo
sem beatificação eclesiástica ou aplausos humanos. É
muito profunda essa idéia. Todos os santos não são apenas
os canonizados. É perfeita a observação. A elas oração,
pensamento. gratidão, respeito. Comove-me essa ampliação
do conceito de santidade. E no dia seguinte (02), não fala em morte,
mas nos que puderam salvar as suas almas através da purgação
dos erros desta vida e, portanto, merecem a paz graças aos tesouros da
indulgência (e introduz o conceito de indulgência), o que nos faz
sentir um Deus não punitivo mas Pai de infinita bondade.
Que tal comprar um livro de Artur da Távola? O Jugo das Palavras |