Olho para ela e leio, em seu rosto triste, as marcas da vida e da mão que
prostra. Sei o que sofreu, um sofrimento entretanto ambíguo que, ao mesmo
tempo, lacera a carne, decepa alegrias, estrutura resistências e sabedorias.
Tento entendê-la, esta mulher sofrida. Quem é. Como é.
Sofrida é a mulher por quem a vida passou, machucando uma sensibilidade
menina, feita de dádiva, confiança no próximo, esperança
de melhorar o mundo.
Sofrida é a mulher que não viveu em vão, na delícia
burguesa de ser objeto de sexo, admiração fácil ou mimo,
preferindo o caminho penoso da independência, a procura honrada da própria
dimensão pessoal, existencial, política.
Sofrida é a mulher que tem energia e nervos para enfrentar na carne todas
as disposições e contradições necessárias a
viver e a conquistar o direito à vida, à liberdade, à solidão,
ao afeto dos seus.
Sofrida é a mulher de uma geração que assistiu à castração
de seu sonho político, embora o veja crescendo, melhorando e se transformando
pelo mundo afora.
Sofrida é a mulher que viveu várias décadas em cada uma das
três últimas. É a pessoa que soube incorporar ao seu viver
as dores necessárias à libertação dos preconceitos
próprios e alheios; dos atrasos ancestrais; da dor de viver adiante no
tempo; das agressões retrógradas; das maldades profissionais; do
medo da sua mensagem renovadora.
Sofrida é a mulher que assistiu à queda de muitos, ao cansaço
de outros, à morte de terceiros, à dor, à tortura, ao vício,
à desistência, à loucura, à resistência, à
tenacidade, ou à convicção de todos os que se insurgiram
contra qualquer forma de agressão humana, de opressão ou de injustiça.
Sofrida é a mulher que aí está, cada vez melhor, porque de
costas eretas a despeito de tudo o que viu, sofreu e passou. E passa.
Sofrida é a mulher que não desistiu de ser; não se alienou;
não fugiu da dor; e até se embelezou com as rugas conseguidas; é
a que se purificou com as impurezas que em si descobriu e mergulhou com igual
coragem na miséria e grandeza, saindo melhor de ambas.
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