Minha criança conversa comigo.
- E aí velho Artur, lembra-se de mim?
-Como me pergunta tal barbaridade? Você me acompanhou a vida toda, todos
os dias.
- Lembra como eu era magrinho? Mamãe dizia que eu só tinha joelhos.
Agora cá entre nós, você não está um velho
gordo nem muito feio mas tem uma cintura que os cardiologistas não recomendam.
Vê lá velho eu!
- Ah é? Apareceu para ficar me zoando?
- Que é zoando? Quem zoava era besouro. E o burro zurra, aprendi no colégio.
Resolveu parecer moderninho?
- Desculpe é que tento me atualizar.
- Eu não quero que você se atualize. Quero que me ponha no colo
e lembre de mim.
- (Enternecido) Você era uma criança tristinha mas ativa, filho
que ficou único pela morte de sua irmã maior. Adorava brincar
sozinho e permanecia horas e horas em devaneios e fantasias, inventava brincadeiras
e chorava quando mamãe lia as histórias de Charles Dickens. Depois,
mais tarde um pouco, descobriu Monteiro Lobato e ele foi a sua grande e inesquecível
companhia. Leu tudo dele menos a Gramática da Emília que achou
chato e largou.....Você foi uma criança sensível, tímida
e sempre era compreensivo. Tinha medo de doença e de morrer de tétano.
Adorava ouvir rádio
- Desculpe interromper velho eu, se eu achava a Gramática da Emília
um livro chato, então porque me meti a jornalista e escritor depois?
- Olhe..., não sei. Creio que a literatura e a música é
que tomaram conta de mim e, não que eu as tenha escolhido. Prossegui
a achar gramática chata, nunca estudei o devido e não conte nada
a ninguém, porque acham que me expresso bem e se descobrem perco o meu
emprego.
-Calma eu vovô. Não vai perder o emprego só por isso. Pode
ser é que achem você piegas por só falar assim dengoso e
saudoso no Dia das Crianças.
- Você falou bem quando disse eu vovô em vez de eu velho. Obrigado.
É verdade. Também me encontro sendo você quando estou com
qualquer de meus sete netos, percebo-lhes sutilezas de comportamento, compreendo
seus sustos e sou feliz com a felicidade deles, Cada vez em que escuto a vozinha
deles dizer "vovô...vovô" sinto-me um sorvete num calor
de quarenta graus à sombra.
- E o mundo, velho eu: melhorou ou piorou de lá até hoje.
- Olha pessoalmente eu sempre soube temperar minha vocação para
a felicidade com as tragédias da vida. Mas acho que melhorou apenas nas
conquistas da ciência no campo da medicina. No mais, piorou. E muito.
Vivemos debaixo da desgraça do desamor, do ódio religioso predominante
e de um arsenal atômico sem precedentes. Nunca estivemos tão perto
da destruição em massa.
- Pára, velho eu, deixe de ser chorão! O mundo sempre foi mau.
Lembra que havia mula sem cabeça, fantasma de noite, caipora e crianças
famintas, isso além do velho do saco que pegava menino teimoso e casa
mal assombrada? Então.....
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