A mulher do Epifânio é aberta a novidades na área do esoterismo,
yoga, meditação, shiatzu etc. Adorou as aulas de meditação
e insistiu com o marido: "vamos, você é tão tenso,
vai lhe fazer bem". Meu amigo Epifânio é realmente tenso,
vive preocupado com os filhos, com a saúde da família, ótimo
pai e marido. É, contudo, um cariocão autêntico, mesmo sem
haver nascido aqui: gosta de seu uísque, de uma boa cerveja, é
popular no bar Clipper e, várias vezes, à noite, quando janta
fora, mesmo na casa dos sessentinha, enquanto a maioria escolhe um peixinho
pálido e repleto de pequenas frescuras, desses que meia hora depois nos
deixam com fome insuportável, Epifânio destroça um ossobuco
com espaguete, um cabrito assado ou arroz de pato, além de contrariar
ordens médicas e detonar, pelo menos, três deliciosas "margaritas".
Só que, mais recentemente, começou a explicar por que sai o mínimo
possível, quer ficar em casa, detesta viajar, foge das novidades: "Ô
Artur, na minha idade eu já vi quase tudo, já viajei muito, criei
filhos, sou louco pelo neto, gosto do meu bairro e meus cantinhos, de jogo do
Botafogo."
Com o carinho das mulheres quando querem algo de bom para o marido, a dele conseguiu
convencê-lo a comparecer às aulas de meditação. O
curso é perto de sua casa. Epifânio é um ocidental típico,
engenheiro, sujeito em quem a racionalidade predomina de modo imperativo contra
as subjetividades tão em moda. Um exemplo? Outro dia, quando retiraram
abruptamente a Daniele Mercury de uma apresentação no Vaticano
porque aparecera, anos atrás, em uma campanha publicitária anti-Aids,
a defender o uso da camisinha, ligou-me indignado: "Pô eu sou católico
e tudo, mas, com essas atitudes, depois a igreja não entende por que
está perdendo lugar junto ao povão para esses pastores de araque"
O fato é que para atender à mulher, foi à tal aula de meditação.
Ouviu a preleção inicial e, com quinze minutos, já não
se agüentava mais na sala. Tudo era interessante, mas nada tinha a ver
com ele. Na segunda palestra, ia haver uma aula prática. Tinha que escolher
um mantra, que, como se sabe, é um tipo de som que induz à entrada
em si mesmo. Todos os alunos e (mais) alunas já acomodados confortavelmente,
o professor determinou: "Agora, sempre de olhos fechados, fiquem a repetir
o mantra escolhido." Alguns o pronunciaram mentalmente, em silêncio,
e outros, a emitir sons tipo nhon nhon nhon, oximai sivaia, aum aum aum, mehala,
mehala, mehala etc..
Epifânio nada de balbuciar seu mantra. Com quinze minutos, começou
a coçar-se. Aos quinze, levantou-se e saiu da aula de modo abrupto.
A gente perguntou:"Mas cara, você não escolheu um mantra?
"Escolhi e não conseguia pensar em outro. Mas logo me deu vontade
de rir e eu não queria atrapalhar a aula, por isso saí".
"Mas por que sair assim no meio da aula?"
E ele, cariocamente: "Porque meu mantra era buuuunnnda, buuunnnda, buuuunda,
buuuunda."
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