A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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Manchetes inesquecíveis

(Artur da Távola)

Antigamente jornalismo era também uma arte de manchetes. Desde aquela célebre de O DIA nos tempos em que era um jornal diferente de hoje: "Cortou o mal pela raiz", aludindo a uma senhora tarasca que castrou o marido adúltero enquanto dormia; até a famosa manchete de sentido duplo e que muito jornal vendeu: "Violada no Auditório", quando Sérgio Ricardo quebrou o violão com raiva das vaias num auditório daqueles festivais de música.

Já tem um tempo, li uma manchete linda em O Globo. Colocou no aviso fúnebre: GREGORY PECK, O ROSTO QUE O CINEMA DEU ÀS CAUSAS NOBRES. Não pode haver definição tão sintética e perfeita de toda uma vida de artista e de uma estratégia de Holywood de sempre encontrar um belo e nobre rosto para as causas que pretende defender, inclusive as nobres! Mas mancheteiro é herói anônimo dos jornais, e vamos ficar sem saber quem bolou essa jóia de frase, digna de um Otto Lara Resende, do século XXI.

Em meus tempos de Ultima Hora, havia um Secretário de Redação que todos adorávamos, o João Ribeiro. Bem humorado, espontâneo, gostava de andar pela redação, um papinho com cada colega, em sua fala nordestina. Grande figura! Pois num daqueles domingos bolorentos de redação, em que até o Flamengo e o Vasco perderam e o jornal de segunda feira estava ainda sem manchete forte, chega a notícia de que uma arquibancada repleta de torcedores exaltados, despencara não me lembro onde, durante a comemoração de um gol. João não atinava com a manchete. Contava o fato em voz alta e nos pedia a inspiração para um título de vinte e cinco batidas, isto é, vinte e duas letras que, com os espaços e o ponto de exclamação, constituíam o tamanho exato da manchete. Ninguém atinava. Cada sugestão levava vaias. Levou mais de duas horas a buscar e a implorar uma frase salvadora da manchete. Nada!

Interrompo para dizer que redação antigamente era uma delícia, saborosa, bulhenta, cheia de piadas, cada jornalista com suas manias e não essas salas assépticas e sepulcrais de hoje, onde se um jornalista espirrar os demais olharão com olhar superior de inglês esnobe, irritados com o barulho insuportável que está a produzir.

De repente, ar de vitória, sorriso a ocupar-lhe o rosto largo, havendo descoberto a manchete sem precisar de ninguém, João Ribeiro, adentra a redação, declamando com orgasmos na voz, a frase imortal, ao mesmo tempo real e de uma crueldade sem par:

MORRERAM GRITANDO: GOOOOL! Foi a manchete daquela segunda feira, nos idos dos anos finais da década de 60.

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