É sabido o mistério e o encantamento, a variedade e a distração,
a hipnose e a liberação da fantasia, que representa ver o fogo.
Quem morou ou mora em países onde há lareira (eu já), pode
testemunhar. Horas de contemplação fascinada e vaga.
A relação com o fogo, um dos elementos básicos da vida,
é arquetípica. Vem de tempos imemoriais; de antes, até,
da existência do homem como hoje conhecida. Ficou gravada no inconsciente
coletivo e, em razão disso, não há criança, mulher
ou homem que não encontre, no fogo, inusitados elementos míticos.
Não há religião que não o utilize; não há
ritual que não o tenha, nem que seja sob a forma de velas, quando não
tochas, archotes, fogueiras, etc. O fogo purifica... queima pecados... incendeia
o sexo, que é chama; acende incenso e vela. É vida, luz e pecado.
Seja o fogo o de uma vela que queima e crepita, seja o fogo simbólico
das ameaças ou esperanças, ele aí está a nos conectar
com as relações primitivas, mas básicas, da espécie,
a nos remeter ao que está perdido nas dobras do inconsciente coletivo
e se manifesta através de imagens arquetípicas ou de representações
ou símbolos destas imagens.
A lareira é uma relação com o primitivo domesticado. Serve
para aquecer as casas no inverno, é certo, contudo é mais conhecida
como companhia incentivadora de abstrações, de livre curso da
fantasia ou de fator de união, identificação, conversa
e confidência, amor, até, entre as pessoas. Ela está dentro
das casas, vale dizer, um lugar que significa (simbolicamente) o nosso interior.
Lareira vem de lar. É nele onde estamos protegidos, tanto como somos
o que somos de maneira real e sem disfarces.
Pois bem, agora chego ao centro do que quero dizer. A TV ligada é uma
lareira da era eletrônica. Muitas vezes ligo, tiro o som e fico a vê-la
apenas como quem olha uma lareira. E o que antes excitava os sentidos, agora
os acalma. Advirá daí o seu fascínio?
Que tal comprar um livro de Artur da Távola? O Jugo das Palavras |