Amigo é quem, conhecido ou não, vivo ou morto, nos faz pensar, agir
ou se comportar no melhor de nós mesmos. É quem potencializa esse
material. Não digo que laboremos sempre no pior de nós mesmos (algumas
pessoas, sim) mas nem sempre podemos ser integrais para operar no melhor de nós.
Há que contar com algum elemento propiciador, uma afinidade, empatia, amor,
um pouco de tudo isso. E sempre que agimos no melhor de nós mesmos, melhoramos,
é a mais terapêutica das atitudes, a mais catártica e a mais
recompensadora. Esta é a verdadeira amizade, a que transcende os encontros,
os conhecimentos, o passado em comum, aventuras da juventude vividas junto. Um
escritor ou compositor morto há mais de cem anos pode ser o seu maior amigo.
Esse conceito de amizade, transcende aquele outro mais comum: a de que amigo é
alguém com quem temos afinidade, alguma forma de amor não sexual,
alguém com quem podemos contar no infortúnio, na tristeza, pobreza,
doença ou desconsolo. Claro que isso é também amizade, mas
o sentido profundo desse sentimento desafiador chamado amizade é proveniente
de pessoas, conhecidas ou não, distantes ou próximas, que nos levam
ao melhor de nós. E o que é o melhor de nós? É algo
que todos temos, em estado latente ou patente, desenvolvido ou atrofiado. Mas
temos. E certas pessoas conseguem o milagre de potencializar esse melhor. Sentimo-nos,
então, fundamente gratos e de certa maneira orgulhosos (no bom sentido
da palavra) por poder exercitar o que temos de melhor. Este melhor de nós
contém sentimentos, palavras, talentos guardados, bondades exercidas ou
não.
Amar, ao contrário do que se pensa, não perturba a visão
que se tem do outro. Ao contrário, aguça-a, aprofunda-a, aprimora-a.
Faz-nos ver melhor. Também assim é a amizade, forma de especial
de amor, capaz de ampliar a lucidez e os modos generosos e compreensivos de ver,
sentir, perceber o outro e sobretudo -se possível- potencializar os seus
melhores ângulos e sentimentos.
Somos todos seres carentes de ser vistos e considerados pelo melhor de nós.
A trivialidade, a superficialidade, as disputas inconscientes, a inveja, a onipotência,
a doença da auto-referência faz a maioria das pessoas transformar-se
em vítimas do próprio olhar restritivo. E o olhar restritivo é
sempre fruto da projeção que fazem (fazemos) nos demais, de problemas
e partes que são nossas e não queremos ver. E quantas vezes isso
acontece entre pessoas que se dizem amigas. Essas pessoas (que se dizem amigas),
ignoram certas descobertas do velho Dr. Freud e através de chistes passam
o tempo a gozar o "amigo", alardeando intimidade (onde às vezes
há inveja) como prova de amizade. O que não é. Mesmo quando
é...
Se se quiser medir o tamanho de uma amizade, meça-se a capacidade de perceber,
sentir e potencializar o melhor do outro, porque somente essa atitude fará
dele uma pessoa cada vez melhor e por isso merecedora da amizade que se lhe dedica.
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