A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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No Dia da Assunção de Maria

(Artur da Távola)

Ontem, 15 de agosto, os católicos comemoraram a data da festa da Assunção de Maria aos céus. Conhecem a palavra dormição? Pois o dogma da Assunção, isto é subida aos céus é composto da Dormição ( a religião não fala em morte). Ressurreição e Assunção. Pensava este cronista em escrever sobre o mistérios dos Símbolos das religiões e no arquétipo do inconsciente coletivo que Jung chamou de a Grande Mãe, quando tive de interromper a escrita para acalmar um neto que dera um cortezinho no dedo e urrava. Ao voltar ao computador, a pensar nas crianças, sei lá porque, lembrei-me de mim mesmo menino e de canções que haviam dormido na memória e desandaram a ser entoadas na imaginação. Estas:

“Com Minha mãe estarei/ Na Santa Glória um dia/ Junto à virgem Maria/ No céu triunfarei.’’

Ou

“Coração santo/ Tu reinarás/ Tu nosso encanto/ Sempre serás.’’

Ou

‘’Oh, Maria concebida / Sem pecado original/ Quero amar-Vos toda a vida/ Com ternura filial.’’

Ou

‘’Queremos Deus, homens ingratos/ Ao Pai supremo, ao Redentor/ Zombam da fé os insensatos/Erguem-se em vão contra o senhor.’’

Estes cantos gravaram-se na minha memória na época do que há de mais maravilhoso e quiçá verdadeiro: o Deus de nossa infância. Quem é o Deus da infância? Ele talvez esteja muito mais perto de uma concepção da divindade, da transcendência do que todas as teologias e mitos adultos. Ele é vago, total, pacificador. Traz calma, a resposta para tudo, pode ser a simples presença da mãe. Pode ser a proteção do pai. Pode ser a calma da amamentação após a angústia da morte antes de se saber que esta existe. Ele é algo que está mais próximo de onde a gente veio antes de nascer. Proximidade do nada (tudo) de onde saímos para viver (encarnar). Dá-nos, pois, uma recordação mais possível desse território misterioso. Cresce-se, envelhece-se e a memória enfraquece. Já não se sabe ou pouco se sabe do antes. Só se pensa, às vezes com terror, na morte e o mergulho no nada. Paz? Trevas? Sobrevivência da alma? Reencarnação? Quem sabe?

Vivendo numa civilização que faz da morte o supremo terror, esta domina de maneira escondida e até solerte todos os nossos atos, meros disfarces e passatempos em vez de atos criadores do viver. O medo da morte atrapalha a vida. Por isso, repito: eu quero o Deus da Infância!

Após colocar mertiolato no dedo de meu neto eu re-encontrei aquele Deus simples da infância. Ele estava ali a soar em meus ouvidos. E eu, que nem mais me lembrava dele, fui tomado de assalto por uma emoção forte e cega confiança nos desígnios. Deus sem teologia. O Deus que se encontra quando renunciamos á sua procura, como predizia San Juan de La Cruz.. O Deus da confiança com a qual a criança se abriga nos braços protetores da mãe. E como sempre a figura do Princípio Feminino . Maria, a grande mediadora, A grande mãe da paz.

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