A caridade pode (e deve) atenuar, porém não resolve a causa dos
problemas alheios. Já, a falta de caridade, esta sim, a nada atenuará
e muito menos chances haverá de mitigar as dores alheias. Logo, a caridade,
mesmo se incompleta, é melhor do que a não-caridade. Estamos nestes
dias a assistir um evento na maior rede de televisão brasileira, a Globo,
em que a caridade pública é exercitada: o Criança Esperança.
Ainda neste fim de semana, tivemos um mega evento para milhões de pessoas.
Vale meditar sobre o tema.
O cristianismo elevou a caridade ao centro de sua ação temporal.
Mas o conceito é anterior ao cristianismo. Já os estóicos
tinham-no como representante da mais alta virtude humana. Idem a religião
judaica: para esta, "os ricos eram apenas administradores dos seus bens,
visto que Deus era o único proprietário".
A caridade é, pois, para o cristianismo, uma virtude (São Tomás
de Aquino coloca-a como a terceira virtude teologal). Está muito relacionada
com a Justiça, pois ambas são "modalidades da obrigação
moral". E o conceito é muito bonito e profundo: " A caridade
é uma das mais completas formas de amor a Deus."
A caridade, que foi o centro da ação temporal de todas as religiões,
doutrinas (se não me engano, é uma das colunas do templo Rosa Cruz
dos maçons) e organizações públicas ou secretas voltadas
para o bem, a caridade, eu dizia, depois de atravessar os tempos como uma atitude
revolucionária (alguém duvida de que São Francisco de Assis
tenha sido um revolucionário?), veio, no Século XX principalmente,
a ser vista (de modo ambíguo) como um conceito quase reacionário,
senão reacionário por inteiro.
Despida de seu sentido de entrega, amor, dedicação e afeição,
a caridade passou a ser para alguns ricos a forma de aplacar a consciência
através de uma função assistencial piedosa, que opera sobre
as conseqüências da miséria, sempre que fiquem mantidas as causas,
as razões profundas das diferenças sociais, racionais, econômicas,
classistas, etc. Este é o seu sentido reacionário.
Diante desse quadro contraditório, é possível ver nitidamente
duas linhas paralelas no tocante à caridade.
Uma, no plano pessoal, a da virtude de quem, por amor a Deus através do
próximo, ou apenas por amor ao próximo, dá, efetivamente
de si, entregando coração, músculos, energia, vida e recursos
para minorar o sofrimento alheio. Nela estão os que dedicam a sua vida
ao próximo mais do que a si mesmos. Essas pessoas existem, e são
muitas, dentro das religiões formais, ou não.
A outra, a de quem estende o conceito de caridade ultrapassando o plano de ajuda
pessoal e dedica sua vida à construção de uma ordem social,
igualitária, democrática e justa, na qual educação,
saúde e trabalho sejam direitos de todos e dever de cada um. Esta também
significa fazer caridade no mais alto sentido, porque é trabalhar para
que o homem não mais tenha necessidade de viver da caridade pessoal alheia.
Pessoal e/ou social, a idéia de caridade está no centro do desafio
ético do ser humano.
Qual é a sua posição? Eu defendo ambas.
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