A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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Qual é a sua visão do que é caridade?

(Artur da Távola)

A caridade pode (e deve) atenuar, porém não resolve a causa dos problemas alheios. Já, a falta de caridade, esta sim, a nada atenuará e muito menos chances haverá de mitigar as dores alheias. Logo, a caridade, mesmo se incompleta, é melhor do que a não-caridade. Estamos nestes dias a assistir um evento na maior rede de televisão brasileira, a Globo, em que a caridade pública é exercitada: o Criança Esperança. Ainda neste fim de semana, tivemos um mega evento para milhões de pessoas. Vale meditar sobre o tema.

O cristianismo elevou a caridade ao centro de sua ação temporal. Mas o conceito é anterior ao cristianismo. Já os estóicos tinham-no como representante da mais alta virtude humana. Idem a religião judaica: para esta, "os ricos eram apenas administradores dos seus bens, visto que Deus era o único proprietário".

A caridade é, pois, para o cristianismo, uma virtude (São Tomás de Aquino coloca-a como a terceira virtude teologal). Está muito relacionada com a Justiça, pois ambas são "modalidades da obrigação moral". E o conceito é muito bonito e profundo: " A caridade é uma das mais completas formas de amor a Deus."

A caridade, que foi o centro da ação temporal de todas as religiões, doutrinas (se não me engano, é uma das colunas do templo Rosa Cruz dos maçons) e organizações públicas ou secretas voltadas para o bem, a caridade, eu dizia, depois de atravessar os tempos como uma atitude revolucionária (alguém duvida de que São Francisco de Assis tenha sido um revolucionário?), veio, no Século XX principalmente, a ser vista (de modo ambíguo) como um conceito quase reacionário, senão reacionário por inteiro.

Despida de seu sentido de entrega, amor, dedicação e afeição, a caridade passou a ser para alguns ricos a forma de aplacar a consciência através de uma função assistencial piedosa, que opera sobre as conseqüências da miséria, sempre que fiquem mantidas as causas, as razões profundas das diferenças sociais, racionais, econômicas, classistas, etc. Este é o seu sentido reacionário.

Diante desse quadro contraditório, é possível ver nitidamente duas linhas paralelas no tocante à caridade.

Uma, no plano pessoal, a da virtude de quem, por amor a Deus através do próximo, ou apenas por amor ao próximo, dá, efetivamente de si, entregando coração, músculos, energia, vida e recursos para minorar o sofrimento alheio. Nela estão os que dedicam a sua vida ao próximo mais do que a si mesmos. Essas pessoas existem, e são muitas, dentro das religiões formais, ou não.

A outra, a de quem estende o conceito de caridade ultrapassando o plano de ajuda pessoal e dedica sua vida à construção de uma ordem social, igualitária, democrática e justa, na qual educação, saúde e trabalho sejam direitos de todos e dever de cada um. Esta também significa fazer caridade no mais alto sentido, porque é trabalhar para que o homem não mais tenha necessidade de viver da caridade pessoal alheia.

Pessoal e/ou social, a idéia de caridade está no centro do desafio ético do ser humano.

Qual é a sua posição? Eu defendo ambas.

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