A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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Uma praça que foi praça e hoje é passa...

(Artur da Távola)

O padre Ávila, ilustre professor da PUC, grande sociólogo, santo e querido amigo, costuma dizer: ''O que caracterizava a sociedade tradicional era que os valores determinavam comportamentos e estes, por sua vez, determinavam o consumo. Na sociedade industrial de hoje, deu-se uma inversão: o consumo determina comportamentos, e estes determinam os valores.''

É verdade!

A vida de uma cidade e seus bairros, a cada dia mais, vai sendo determinada pelo consumo. Ele invade até as concepções urbanísticas, a tudo impregnando. O consumo impõe arquiteturas, modos de vida, formas de lazer, concepções de artes e modos de viver.

O caso da Praça Saenz Pena é sintomático. Na reforma depois do Metrô, a não ser o calçadão de um de seus lados, em todo o resto ela perdeu as características de praça como centro poética e de lazer de um bairro. Um hiato de paz na agitação da cidade.

A Tijuca tem outra praça que é (ou já foi, mas resiste) ótimo exemplo como local de harmonia través da natureza espaço não ansioso na vida da cidade: a Praça Xavier de Brito. Ali, sim, estamos numa praça e ainda dá para nos recompormos da loucura e agitação da vida de hoje.

A Praça Saenz Pena bem que poderia voltar a ser o centro humanizado da Tijuca. Os comerciantes do local, se pensarem em associar beleza e marketing, poderiam se cotizar e convocar e ajudar a Prefeitura a devolver à praça as suas características de lugar agradável para nada fazer. Sim, praça é lugar de ''perder tempo'', isto é, ''ganhá-lo'' para a contemplação, o lazer, a meditação.

O conceito utilitário das coisas a tudo invade: na sociedade do ter e do comprar. A cidade, as praças, a estética, os valores, a vida, em suma, transformam-se em expressão dos seus ditames. É o império do funcional, do prático, do funcional e vazio de beleza, humanidade, natureza e poesia.

Até as praças sucumbem a esse pensar que nos pensa, também chamado ideologia. Elas cedem a essa lógica do funcional e do utilitário. De lugar de perder tempo e viver o ócio criativo, as praças transformam-se em logradouros de passagem, vitrine de comércio, locais vazios de ofertas para crianças, pouco vegetal, muito cimento, tudo feito para não quebrar, para não sujar, para não chatear.

A Praça Saenz Pena me dá pena com trocadilho e tudo e faz pensar, tristonho: ou voltamos a ter uma cidade onde os valores precedem os interesses do consumo, ou nunca mais viveremos de maneira civilizada! Praça é lugar de criança, árvore, grama e de lazer, e não de passagem.

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