A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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A carioca foi a deusa do Pan

(Artur da Távola)

Neste começo de agosto, frio, mas a primavera se aproxima, a carioca foi a heroína anônima desse Pan, maravilhando turistas e TVs de todo o mundo. Faça um prelúdio para as moças da minha Cidade. Ela aparecia em todos os lugares para onde se olhava, rua, jornal ou televisão.

A carioca é a mais dengosa das charmosas. Ela possui certeira decisão no amor. Sabe o que quer, quando quer e se dedica ao querer. Consegue o milagre da sensualidade com fidelidade, sempre que o amor medeie as relações. A carioca segue o conselho do poeta e não ''sabe amar sem amor''.

Ela prefere suscitar a excitar. Sabe ser quindim diante do amor. Tinhosa, jamais deixa de lutar pelo ser amado. Não é de renúncias ou gestos estouvados. Sabe de lentas construções e é capaz de paciência infinita na dedicação ao ser amado. Não é chegada a dar nem receber ordens, mas faz com que saibam de como gosta das coisas. Prefere os que a adivinham, a impor a sua vontade. Cuidado para não ferir uma carioca. Ela perdoa, porém não esquece.

A carioca é uma graça quando diz "ciunco"' em vez de cinco, ou, docemente, coloca um u no meio de doze, dizendo, dengosa, ''douze''. É mais linda ainda depois de fazer amor, que antes. É feminina e insistente. Com doçura, sabe de contramão, de bandalha no trânsito, estaciona em qualquer lugar, principalmente no coração alheio. Ela detesta pessoas barulhentas, briga ou bundão metido a gostoso.. Mas aprecia homem firme. Não gosta que nela mandem, mas prefere quem com ela se preocupe. Tem o faro do que dá bronca ou bolo, e prefere evitar a remediar.

Gosta de pratos gratinados, muito sol, praia e loja de sucos.. Adora cachorros molengos, de olhar bonachão. Entende de: namoro, forma de educar, sanduíche misto, beijos variados, como lidar com irmão brabo e como ficar na sua sem invadir a dos outros.

Finge que não liga, mas rompe para sempre com quem a julga sem ouvi-la ou quem se intromete no seu sentimento. Não liga que falem dela, que não alcance o que pretenda, que a ignorem. Sabe que isso é inevitável. Importa-se, aí sim, se invadem as atitudes que toma por sentimento, ou necessidade, por amor. Mas, como ato de opção: jamais, porque os demais assim o desejam. A carioca conhece o mistério de render-se à natureza de quem ama, para que esta, dócil, depois, lhe obedeça.

Detesta pessoas de leva-e-traz, homens ou mulheres furonas da intimidade alheia. Gaba-se de farejar qualquer paquera e sabe sempre a hora de parar.

Gosta de chuva, jujuba e olhar pidão. Chora de emoção e de repente. Seu ideal é paz. É de luta sem ser de briga, é guerreira sem ser de guerra; é de luxo sem ser esnobe, mas sabe ser namorada antiga, com ar de seresta ou buquê de flores, companheira de madrugadas, de sanduíches de mortadela ou compra na Rua da Alfândega. Seja onde for, no estilo em que for, a carioca é conivente e solidária, se for por amor.

Não force jamais o coração de uma carioca. Essa é a melhor (pior) forma de perdê-la, mesmo porque, até quando se faz dócil e submissa, a carioca só faz o que quer.

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