A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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A malignidade

(Artur da Távola)

Fico impressionado como certas pessoas são possuídas pela malignidade. A pessoa impregnada da malignidade já nem mesmo percebe que esta não se manifesta de modo direto. Mas é uma ação contrária ao próximo, motivada quase sempre por mecanismos (im)perceptíveis de inveja, de complexo de inferioridade, ou do hábito inconsciente de entrar em disputa com os demais. Infiltra-se como um carrapato cheio de febre maculosa, só que de modo insinuante, disfarçado, cotidiano, no comentário ácido, na pequena intriga, no gosto de falar mal dos outros, nos vícios de vizinhança ou no prazer da palavra crítica, maledicente e apressada sobre o próximo. É a adoecida vontade de prejudicar e fazer mal a outrem (faz a si mesmo...).

O ser maligno tem a ver, também, com a ambição e a fascinação por qualquer forma de poder. Ele visa, exclusivamente, a obtenção de vitórias materiais ou a desmoralização daqueles a quem admira e exatamente por isso sofre por não se sentir (nem ser) semelhante a ele ou ela, já que sua mente é doentia. Este nefasto mecanismo é utilizado até em ações virtuosas sempre que dependam de alguma maquinação que adiante traga vantagens ao maligno. A inocência, a bondade e a ingenuidade, representam a anti-malignidade e são o seu antídoto. Nada obstante, até mesmo a infância, por exemplo, pode revelar, ao lado da inocência, traços de malignidade precoce e visceral. Só que a infância o faz sem os disfarces. É instinto em estado puro.

A malignidade possui alto poder corrosivo e embora também faça mal a seu aplicador (pois dana-se quem inflige mal a outrem). Em diversas ocasiões, o mal infligido vem cercado de atenuações e justificações, quanta vez confundido com a verdade e mesmo com a aparência de estar sendo feito para ajudar a uma terceira pessoa ou, até, defender a moral pública ou privada. É mecanismo conducente a defeitos de comportamento como a intriga, a maledicência, a hipocrisia, o falso testemunho ou o prazer sádico de ver as situações resultarem erradas ou difíceis para a pessoa alvo de sua doença.

O caráter emoliente da malignidade que se disfarça no gozo interior de ver ou causar sofrimento é um de seus teores mais complexos e de difícil precisão, infiltrado que está em certos comportamentos e disfarçado que está até mesmo dentro de seu portador. Este, talvez esteja convencido de estar a ajudar ou a fazer o bem: o mecanismo é sutil, incontrolável e emerge mesmo em casos de amizade. Jamais, porém, no amor. O estado de amor é o maior "breve" contra a malignidade. Salve o amor.

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