A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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Nosso futuro mestiço

(Artur da Távola)

O Brasil é um país de povo muito pobre e inculto. Nossas elites sempre trataram de enriquecer e entesourar, em vez de procurar construir uma Nação com mais sentido de justiça e igualdade de direitos.

Os poderes públicos jamais foram fortes o suficiente para garantir educação, saúde, habitação, transporte e alimentação básica a todo o povo. Nossa economia sempre foi dependente e sugada em suas principais riquezas. Além de não-distributiva.

Conseguimos evoluir tecnológica e empresarialmente, mas os frutos desse desenvolvimento jamais tiveram um sentido social a nortear-lhes o rumo. Não temos tradição democrática. Aqui, tanto matam os bandidos, como os policiais. Possuímos quase nula a consciência dos direitos individuais. Em nosso País, só pobre vai preso, e não há instituições destinadas a operar uma tentativa de equilíbrio social. Nossa "elite" econômica sempre preferiu os surtos democratizantes, até pela violência. E, hoje, só sabe falar de lucro a qualquer preço.

Somos um País que não tem cultura política para eleger seus representantes. Aqui, qualquer pessoa, até antes da Constituinte de 88, podia ser presa por causa de suas idéias: bastava um pequeno endurecimento do regime. Falamos em liberdade e criamos um Estado fortíssimo. Apesar de tudo isso ser feito em nome do progresso do País, apresentamos índices gravíssimos de miséria, atraso e doença, que convivem com níveis altos de desenvolvimento material em alguns segmentos da economia. Esse quadro gera a realidade de um povo pobre, ingênuo, sempre passado para trás. Mesmo a nossa aviação, considerada uma das mais seguras do mundo até 2006, em menos de um ano transtornou-se e hoje é a talvez mais desorganizada e perigosa da terra (ou do ar...)

A partir deste ponto, o que se segue tem a ver com o PAN, diariamente, em nossos lares. Atenção! Quando um representante desse povo, na cor mestiça da pele, no nível cultural e no físico, rompe as limitações seculares e faz de sua fraqueza a grande força através do esporte ou da música, é evidente que o portador desses signos - por encarnar um milagre -, tem de ser um representante poderoso e afetivo das principais dores e esperanças de seu povo. Isso tanto está a se dar agora no Pan, como se dá com gente que vai do Hip Hop, como MV Bill, ao samba como Nelson Sargento, que ontem fez 83 anos... Assim foi Garrincha, assim foi o sonho incompleto do Maguila. E de tantos vitoriosos, a começar por Pelé. Através desse sonho, a Nação, por seu lado pobre, humilde, sem chances de progresso, antevê a possibilidade de êxito, de vitória, de quem não nasceu em berço de ouro e é mestiço como a maioria do povo. As elites brancas e européias falharam. Idem, políticos salvadores da Pátria, tão freqüentes no regime presidencialista. Algo me diz, com toda a clareza, que nosso futuro, se tem esperanças, está ligado à nossa mestiçagem em marcha.

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