A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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Esporte, agressividade e paz

(Artur da Távola)

Chega de horror! Vamos falar de desporto, ainda que com os olhos úmidos.

O esporte emerge e fulge em épocas de paz, por ser uma forma de canalizar a agressão, produtivamente, através do mito. Quanto mais paz, mais esporte.

A ânsia de paz deixou de ser mera expressão de filosofias humanistas, para transformar-se em objeto do instinto conservador do homem. Se antes se condenava a guerra por sua estupidez e falta de sentido, hoje o homem sabe que deve condená-la também como imperativo de sua sobrevivência como espécie.

Frente a este quadro, o esporte, vivenciado em comum pelas multidões do mundo, deixa o seu caráter lúdico para ser uma corrente cultural ascendente e poderosa. No fluxo desta corrente, avulta a convicção de que a única saída para a humanidade está no entendimento e na união, no trabalho e na solidariedade entre os povos - daí sua força simbólica - e na canalização positiva dos impulsos agressivos. E para dar vazão à agressividade tornada civilizada, o ser humano descobriu, pratica e cultua o esporte.

Não estavam longe da sabedoria os gregos, quando faziam política através do esporte, ou esgotavam os impulsos agressivos dos povos nas práticas lúdicas. Sabiam que quem sacia seus ânimos em disputa lúdico-energética não precisa fazê-lo através da guerra ou da destruição. Daí a beleza catártica e educativa do desporto.

A agressividade é um dado da psicologia do animal-homem. Suas estruturas arcaicas de comportamento perduram sob formas as mais variadas, ainda que lapidadas pela cultura. A agressividade é, todavia, um dos componentes psíquicos também positivos, se direcionada a atividades criativas. Reprimi-la, negá-la, como se não existisse, é erro, pois acaba saindo sob formas patológicas, assassinas. O caminho é dirigir os impulsos para situações que sirvam para descarregá-la de maneira construtiva e útil. Outro exemplo? A arte! Quando a criança e o adulto transportam para pinturas, formas ou cores os símbolos do problema que os oprimem, estão descarregando a agressividade que se voltaria contra si ou contra outros. Com o esporte se dá o mesmo, talvez até de forma ainda mais intensa. É ele expressão simbólica da agressividade animal elaborada por mecanismos associativos, intelectuais e artísticos e voltada para atividades fraternas. É o exame de tudo isso, chegando a nós através do modo simbólico do jogo, o que encanta e deslumbra a humanidade.

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