Sempre que é domingo recordo os tempos da infância, quando a mãe
pedia que eu fosse comprar o pão cedinho. Era um amanhecer ameno e calmo,
pouca gente e carros na rua.
Antigamente o pão era saboroso. São famosas certas padarias e
confeitarias das décadas de 30 e 40. Era um comércio de classe
e respeito. A ambição não era tão fundamental para
viver. As padarias disputavam, então, as preferências, para as
quais contribuíam deliciosos doces. Lembro dos "sonhos", aquela
bola açucarada, deixando escorrer aquela parte amarelada, suave secreção
gemada de sua delícia. Anos depois, jovem boêmio, eu sentia o cheiro
do pão no ar ao voltar para casa ao amanhecer. Eram as padarias, que
acordam cedo na madrugada a preparar o pão na fase do forno. Ameno odor.
Quem não sentiu cheiro de pão no ar da madrugada, bom boêmio
não foi...
Tudo isso acabou, conseqüência da produção em série
e da desnecessidade de agradar à freguesia, porque hoje mora tanta gente
no local que, tratando bem ou nada fazendo, todo mundo compra igual.
Lembro-me neste momento do tempo da guerra. Eu era criança. Faltava trigo
e as padarias, durante algum tempo, fizeram o pão de milho. Posso garantir:
no começo se estranhava e depois se descobria o sabor maravilhoso do
pão de milho. Quentinho, era delícia! A manteiga a derreter-se,
dengosa.
As padarias caíram muito de qualidade. Salvam-se, isto sim, comércios
inteligentes especializados em pão. Já uma padaria estilo tradicional
hoje em dia não vive só do pão francês. Ganha - e
muito - com vários outros produtos, nos quais desconta fartamente a margem
de lucro que não tira do chamado pão francês. Alguns padeiros
embromam (e bromam, porque carregam no bromato) e mentem quando entregam um
pão infame e dizem fazê-lo por causa do preço da farinha
e do prejuízo.
Antigamente as padarias tinham orgulho de seus produtos. Muitas delas, depois,
transformaram-se em ótimas fábricas de bolos, tortas, pães
e massas, vendendo os seus produtos para toda a cidade. Hoje, as padarias são
mais lanchonetes que fabricantes especializadas de pães e confeitos.
Ah, tempos de decadência! Saudades de um Rio melhor, no qual comprar pão
era trazer o alimento verdadeiro e bíblico: trigo, ovo, fermentos, e
não a massa indigesta, feita e insípida que nos impingem e vira
goma no bucho da gente.
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