Vou lhes contar algumas coisas.
Anteontem pouco antes das 19 horas, eu que não sou muito de sair (salvo
para o trabalho), cheguei um pouco antes do começo da exposição
homenagem a Dercy Gonçalves comemoração dos seus cem anos,
na Casa de Cultura Laura Alvim .
Por gentileza da Diretora, Eliana Caruso, levaram-me a uma saleta onde estavam
a homenageada, uma sobrinha, a própria Eliana e mais duas pessoas. Dercy,
carinhosa comigo logo ficou de mãos dadas por alguns minutos. Estava
nos trinques com um vestido vermelho, cheio de vida como é. Pouco depois
serviram uns salgadinhos antecipatórios dos que seriam distribuídos
depois, durante a homenagem propriamente dita. Uma delícia. Contive-me.
A travessa na qual vieram esses mimos estava enfeitada com três pimentas,
aquelas do tamanho de um dedo mindinho. Dercy serviu-se com parcimônia
mas sapecou uma daquelas pimentas do enfeite e comeu-a cruinha junto com um
dos acepipes. Pimenta de fazer baiano chorar de tão forte. Ela não
vacilou. E foi logo dizendo: "adoro pimenta". Eu a pensar: "puxa
vida, tem que ser muito mulher para, aos cem anos, mastigar feliz, ao vivo e
a cores uma enorme pimenta vermelha e ainda dizer: "Adoro pimenta".
E se não me engano ainda comeu metade da segunda, uma verde.
Chegou a hora de ir para o local da exposição e a Eliana teve
a feliz idéia de no caminho, convidá-la a entrar numa sala onde
ensaiavam alunos e alunas de teatro, todos e todas muito jovens. Seguem-se alguns
minutos mágicos, um filme de Fellini. Dercy foi logo entrando na roda
deles, sentia-se no ambiente de toda uma vida, com jovens almas irmãs.
Brincou com vários e várias alunas; soltou seus doces palavrões,
mandava-os falar mais alto ("Artista tem que falar alto e neca de timidez").
Pediu para representarem cenas improvisadas. Ensinou alguns segredos. Era uma
cena deslumbrante: aquela mulher de cem anos, irisada de felicidade, a partilhar
com a meninada que ao final a aplaudiu com um carinho lindo pela súbita
visita.
O mais foi uma enorme cama (alguém já viu exposição
com cama?...) com colcha vermelha como o vestido dela, na qual se atirou, puxou
a Marília Pera, a Ângela Leal e algumas pessoas. Aí deram-lhe
um microfone e ela falou verdades só possíveis a quem tem cem
anos, distribuiu selinhos a granel, cantou o "Carinhoso", com a letra
exata da música mas a fazer uma paródia sensual da mesma. Sen-sa-ci-o-nal
! Em volta todos estupefactos com aquela lição de vida e alegria
a deixar os presentes boquiabertos com aquela vitalidade..
Grande Dercy ! Já escrevi tantas vezes sobre você que hoje me basto
com contar o que vi, com lágrimas de emoção e admiração
nos olhos.
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