Ô Glória Pires, diga-me cá uma coisa, só entre nós:
como é que você pode ser tão boa atriz? É impressionante
a sua capacidade de transmitir um repertório ilimitado de emoções
sem mexer um músculo do rosto e de envolver suas personagens numa verdade
interior que dispensa esclarecimentos. Acho que você é uma telepata
de personagens.
De onde você tirou isso tudo, ó menina? Do velho Antônio
Carlos? Da experiência precoce de quem começou na televisão
com doze anos se me não engano? Veja só: tenho três filhos
ligados à arte cênica, cinema, teatro e televisão: o André
Barros, que é um ótimo ator, hoje dedicado à direção
de cinema; o Leonardo Monteiro de Barros, um dos Diretores da Conspiração
Filmes; e o caçula Eduardo Monteiro, que é editor de esportes,
porém sofre de "alucinações" e, por vezes, pensa
ser o repórter Ícaro de Paula. Sempre os consulto com prazer,
pois entendem do riscado. Os três são impressionados com você.
Pois estávamos outro dia a analisá-la, Glória, e o mistério
de sua força interior na telinha. E eles entendem do riscado. Você
consegue dar verossimilhança até às viradas mais tresloucadas
(absurdas mesmo) de várias novelas. Com você em cena, tudo ganha
conteúdo, verdade e valor. Ora, isso é um mistério indecifrável.
E o faz sem tentar namorar o público. E ainda consegue sustentar audiência
e evitar que certas obras rolem barranco (ou barraco) abaixo. Impressionante!
Ainda não a vi no palco (nem sei se gosta de fazer teatro), mas em cinema
é a mesma coisa. Recentemente, sábado passado para ser mais exato,
estavam você e o Toni Ramos, outro talento notável, a protagonizar,
em um daqueles canais de filmes para TV, uma gostosa película brasileira
dirigida pelo Daniel Filho, na qual a mulher vira o marido e o marido vira a
mulher. Em comédia, seu ar de mau humor fica irônico e adorável.
Em cinema, ademais, vi-a, há tempos, naquele filme do Barreto sobre a
imigração italiana no Rio Grande do Sul. Maravilhosa interpretação.
Em tudo o que a vejo fazer, até anúncio de varejo de eletrodomésticos,
você consegue, dentro de uma contenção de atriz inglesa,
encontrar um modo brasileiro e moreno de representar. Representar é atribuir
verdade ao verossímil e dotar o inverossímil de efeitos secundários
que se tornam viáveis, simbólicos, logo decodificáveis.
Puxa vida, Glória Pires! Qual a força misteriosa que a move por
dentro? Se você me ensinasse, eu a levaria para minha literatura e seria
um grande escritor. Sim, porque você é uma grande atriz. Se souber,
você me conta?
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