Amo-te, Santa Teresa, porque recompões o ideal de uma cidade na qual
o tempo tempera o progresso, fazendo-o servo, jamais senhor.
Amo-te, por permitires beleza, luz, árvore, timidez e relação
direta com o simples que virou raridade no comportamento alucinado dos homens.
Amo o teu abrigo e a paz que trazes a este pedaço de um Rio que acabou
contudo não desistiu de sonhar com vida possível, bela e o homem
viável e solidário, desde que tratado com justiça e muita
poesia. Agora que és vítima de tiroteios, agora mais que nunca,
proclamo quanto te amo, bairro de Santa Teresa. Mesmo assim, foste e ainda és
jardim sem angústia da urbana condição.
Amo-te, porque abrigas crianças saudáveis, com gato, esquina,
pipa, ladeira, carrinho de rolimã, lanches fartos, brincadeiras de São
João, vó na janela e já, já, namoro no portão.
Amo-te, porque ainda tens bruma, casas arrevesadas, fadas, castelos amenos,
fantasmas, refugiados de guerra, bruxas, consertadores de sofás, armazéns
com conta, dengosas curvas, e um gosto de conspiração em tuas
ruas pálidas, oxalá iluminadas a querosene. Tens muros pelos quais
passam, segredam e urinam os conspiradores contra a ordem material que enfeou
o mundo, matou os rios, endoidou o homem e emparedou o passado.
E é porque te amo mesmo sem aí morar é que aplaudo e apoio
a reunião de sua coletividade, sábado passado, quando se uniu
para uma campanha à qual dou minha modesta adesão. Parece que
há um projeto para entregar os novos bondinhos do bairro ao transporte
exclusivamente de turistas.
Com razão a comunidade protesta. O bondinho deve ser tanto dos turistas
como, principalmente, da população. Um absurdo tirar o morador
do seu bondinho, o que resta no Rio de Janeiro de transporte poético,
aberto ao vento saudável e ao canto dos passarinhos nas árvores
do bairro abençoado. Impedir a população de usar o transporte
de viagem mais poética e rápida, além de maldade sem fim
é um ato antidemocrático.
Assim como o petróleo, o bondinho também é nosso.
Que tal comprar um livro de Artur da Távola? O Jugo das Palavras |