A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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Os discursos secretos

(Artur da Távola)

Antes do cinema e da televisão os atores, principalmente se cabeças de companhia, podiam escolher o repertório. Este, constituía-se numa definição artístico-polítco-ideológica do ator. Havia autores preferidos pelas companhias teatrais que lhes encomendavam obras. Os atores determinavam a escolha. Os autores escreviam para determinados atores.

A industrialização do lazer cultural, a partir do cinema e depois com a televisão, trouxe limitação para o ator quanto ao seu repertório. O controle (doutrinário) das obras passou-se para o sistema produtor, que escala os atores em função de variáveis diversas entre as quais: preferência do mercado; a qualidade da emoção já despertada pelo ator (empatia); o seu tipo físico, o talento específico (para drama ou comédia); a disciplina profissional; estilo e afinidades com a direção, autoria, produção, etc. Em outras palavras: Não se escreve para o solo de grandes atores mas para os interesses mercadológicos da emissora de tevê ou do estúdio produtor do filme.

A partir do crescimento da indústria cultural (cinema primeiro e depois a televisão) o ator desenvolveu, um processo de autodefesa, a partir do qual inseriu novo elemento na composição do personagem: passou a exercer, através deste, a sua visão de mundo. Tomou o personagem de empréstimo para nele projetar os seus (dele, ator) valores, idéias e a visão de mundo, impedidos de aparecer na escolha de um repertório que não lhe compete mais e, sim, a quem produz as obras.

É comum a certa fase do estrelato o ator ou atriz rejeitar papéis que o sistema lhe oferece. A partir de consolidação de sua posição no mercado, visando a preservação de sua individualidade artística, alguns atores e atrizes, suspendem (sem romper) o seu pacto com o sistema produtor. Às vezes sobrevivem artisticamente e se liberam das regras implacáveis da indústria, sempre atadas ao mercado e suas modas. Foi o caso de Ingrid Bergman, Marlon Brando, Orson Welles. Outras vezes, o ator ou atriz, pairam muito alto a ponto de se desligarem do sistema produtor (Greta Garbo) porém estes quase não encontram regularidade na produção alternativa, aquela que é, ou se pretende, puramente artística. Saem do auge do sucesso para o vazio. E quando pretendem voltar para o sistema produtor, este, com a vertiginosidade de seu processo, já encontrou sucessores. Cruel processo. Mas real. O sistema combate quem a ele não cede. E destrói: quem contra ele se coloca.

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