O Presidente Lula, em sua entrevista coletiva de há dois dias (a segunda
em cinco anos), disse que o Governo nada mandará ao Congresso sobre o
aborto. Fez muito bem. O assunto nada tem a ver com a Presidência. É
assunto do Congresso, do foro íntimo individual e da sociedade.
Tenho, pessoalmente, a convicção de que tanto assiste razão
aos que são contra o aborto, quanto aos que são a favor. No mundo
existem e resistem questões insolúveis, e esta é uma delas.
Pondero, porém, que a legislação brasileira já circunscreveu
esta matéria há alguns anos, e bastante bem. É só
aperfeiçoá-la. A discussão foi exaltada pela mídia
devido à presença do Papa no Brasil. Diz a Lei brasileira que
podem submeter-se ao aborto mulheres grávidas por estupro, caso desejem,
e nos casos de imperfeição genética que deverá provocar
a morte do feto, atestada por (creio) cinco médicos especialistas. Falta
apenas acrescentar os casos (já diagnosticáveis) de fetos que
apresentam ausência de função cerebral (não sei o
nome científico dessa enfermidade).
Se o Brasil encetasse a valer um grande projeto de planejamento familiar, como
está disposto na Constituição (por acaso, artigo que teve
redação minha, aprovada em plenário em 1988) e, não,
de controle da natalidade pelo Estado (que é ditatorial), essa questão
não existiria com a dramaticidade com a qual ocorre. O cerne do problema
do aborto está a rigor, fora dele. Está na procriação
inconseqüente. E só o planejamento familiar, livre e consciente,
pode atenuar a tragédia.
Isso posto e aplicado e dentro de uma política educacional de forte teor
social e a prazo de médio a longo, as demais formas de aborto realmente
são um assassinato. Como crime também é morrerem milhares
de mulheres por aborto acontecido em clínicas secretas. Mas esta trágica
situação também está fora do cerne da questão
do aborto. É do âmbito policial. E da precária vigilância
sanitária.
Não há, portanto, formas perfeitas de resolver esse conflito insolúvel.
Há, sim, formas provisórias ou substitutivas. A adotada na legislação
brasileira é uma delas: eternamente imperfeita, mas razoável.
O aborto fora dos casos permitidos por Lei, repito, é realmente um assassinato.
Por outro lado, impedir qualquer tipo de aborto é exagero e perversidade
contra o feto e contra as mães, estas principalmente. Porém, mesmo
nos casos em que a Lei permita o aborto, estou convencido de que se a mãe
não o quiser, ele não deve ser feito. Dela é a última
palavra.
Sei que vou desagradar os radicais de cada lado. Mas o bom senso jamais será
entendido por quem tem posições polares e intransigentes. Principalmente
quando ambas possuem argumentos a favor. Viver é enfrentar enigmas.
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