A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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O problema do aborto não está apenas nele

(Artur da Távola)

O Presidente Lula, em sua entrevista coletiva de há dois dias (a segunda em cinco anos), disse que o Governo nada mandará ao Congresso sobre o aborto. Fez muito bem. O assunto nada tem a ver com a Presidência. É assunto do Congresso, do foro íntimo individual e da sociedade.

Tenho, pessoalmente, a convicção de que tanto assiste razão aos que são contra o aborto, quanto aos que são a favor. No mundo existem e resistem questões insolúveis, e esta é uma delas. Pondero, porém, que a legislação brasileira já circunscreveu esta matéria há alguns anos, e bastante bem. É só aperfeiçoá-la. A discussão foi exaltada pela mídia devido à presença do Papa no Brasil. Diz a Lei brasileira que podem submeter-se ao aborto mulheres grávidas por estupro, caso desejem, e nos casos de imperfeição genética que deverá provocar a morte do feto, atestada por (creio) cinco médicos especialistas. Falta apenas acrescentar os casos (já diagnosticáveis) de fetos que apresentam ausência de função cerebral (não sei o nome científico dessa enfermidade).

Se o Brasil encetasse a valer um grande projeto de planejamento familiar, como está disposto na Constituição (por acaso, artigo que teve redação minha, aprovada em plenário em 1988) e, não, de controle da natalidade pelo Estado (que é ditatorial), essa questão não existiria com a dramaticidade com a qual ocorre. O cerne do problema do aborto está a rigor, fora dele. Está na procriação inconseqüente. E só o planejamento familiar, livre e consciente, pode atenuar a tragédia.

Isso posto e aplicado e dentro de uma política educacional de forte teor social e a prazo de médio a longo, as demais formas de aborto realmente são um assassinato. Como crime também é morrerem milhares de mulheres por aborto acontecido em clínicas secretas. Mas esta trágica situação também está fora do cerne da questão do aborto. É do âmbito policial. E da precária vigilância sanitária.

Não há, portanto, formas perfeitas de resolver esse conflito insolúvel. Há, sim, formas provisórias ou substitutivas. A adotada na legislação brasileira é uma delas: eternamente imperfeita, mas razoável. O aborto fora dos casos permitidos por Lei, repito, é realmente um assassinato. Por outro lado, impedir qualquer tipo de aborto é exagero e perversidade contra o feto e contra as mães, estas principalmente. Porém, mesmo nos casos em que a Lei permita o aborto, estou convencido de que se a mãe não o quiser, ele não deve ser feito. Dela é a última palavra.

Sei que vou desagradar os radicais de cada lado. Mas o bom senso jamais será entendido por quem tem posições polares e intransigentes. Principalmente quando ambas possuem argumentos a favor. Viver é enfrentar enigmas.

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