A Garganta da Serpente
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A humildade e os líderes religiosos

(Artur da Távola)

Neste mundo atual, de poucos líderes capazes de se colocarem acima de interesses pessoais, políticos ou nacionais, a vontade de encontrar alguém à altura de qualquer missão moral e espiritual leva os homens à ânsia de identificação com pessoas, idéias, valores, símbolos da espiritualidade que mora nas religiões. Daí a importância social e histórica da presença de líderes espirituais, como, recentemente, o Papa Bento XVI, em diferentes países. Não tenho saber nem cultura e nem espaço para defender aqui esta ou aquela tese que divide a opinião em relação a idéias do atual Papa e de outros líderes religiosos ou espirituais importantes.

Em vez, prefiro ressaltar um aspecto necessário aos dias de hoje: a humildade de todos esses líderes. Afinal, vivemos em um mundo de onipotência e violência, no qual o desencanto impera e a humildade está conotada com derrota e humilhação; com ingenuidade e fraqueza.

Deste modo, impõe refletir sobre a identificação da humanidade com a idéia de humildade transmitida por grandes líderes religiosos Tenho a quase certeza de que é assim, porque a humildade voltou a constituir virtude fundamental num mundo de grandezas incomensuráveis, superiores à capacidade humana de conceber; num mundo dominado por formas disfarçadas de soberba, que é o oposto de humildade.

A humildade é revolucionária por significar um retorno à dimensão humana de todas as coisas, um retorno à terra, mãe e matriz de tudo, uma absorção do húmus dessa terra, que vivifica e faz nascer. Humildade é o retorno à condição primeira da existência: a pequenez, o mistério, a consciência do próprio nada diante do Universo.

Humildade, "humilitas" em latim, tem uma raiz comum: a palavra húmus. Húmus quer dizer terra (e terra quer dizer muita coisa). Humilitas é o que está perto da terra, encostado nela, ao nível dela. Daí o sentido de humilhar, que também deriva de húmus e tem a mesma raiz de humildade. Quando o homem confundiu humildade com humilhar, tudo se pôs a perder. A etimologia não falha: raiz igual, significados iguais, mas significantes diferentes.

De húmus também deriva umidade, que é uma condição própria da terra, a que permite o plantio e a sementeira. Humilde é quem está na terra, ao nível dela, compreendendo ali a condição de mãe e nutriz da vida e de local de eterna transformação. De húmus, vem homo, que é homem, o filho da terra, humilde por definição, umedecido por ela para viver. De húmus deriva, ainda, humanidade, ou seja, a natureza daquele e daquilo que vem da terra. Humildade é, pois, muito mais que palavra ou atitude. É uma definição de vida que tem o homem como centro, a terra como base, a transformação como tarefa. Nela está o caminho para a fé verdadeira. E para a Paz.

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