A memória me traz alguns fatos de 1991, quando minha mãe partiu
para o Reino dos Esplendores. Enquanto aguardava prepararem o corpo, derradeira
maquiagem de uma "atsef" (festa ao contrário) - eu não
quis ver -, recebi seus amigos e amigas a chegar, e os parentes: ela havia sido
um ser humano admirável e admirada por quem a conhecia. Dona Magdalena!!!
Coloco três pontos de exclamação ao mencionar-lhe o nome,
consigo ainda ver-lhe o porte altivo e sua fragilidade de mulher forte.
A morte tem o condão de revelar o valor de uma vida em segundos, e cada
um desses segundos é portador de alguma lição que ela gostava
de dar e dava, mesmo sem pretender, pela dignidade, sobriedade e solidão,
vale dizer, pelo exemplo.
Não estou aqui, porém, para elogiar minha mãe porque morreu
há quase dezesseis anos, mas para dizer que, no recato de minha dor e
na interiorização do meu sentir, mais que todos, podia eu pensá-la
com orgulho e egoísmo: sim, egoísmo, porque o que era teor de
dona Magdalena em caráter e exemplo, agora me pertenceria mais que a
todos. Fui seu cúmplice toda a vida, e aprendi as admirações
que lhe tributei. A morte nos permite essa apropriação sem inventário.
Meses antes, vidente me vaticinara que iria herdar forças de minha mãe,
quando ocorresse a sua passagem. Tudo isso me passava rápido na mente,
enquanto aguardava a maquiagem do corpo para o féretro. Admiração
por sua vida dedicada em doses certas, primeiro aos seus, depois ao trabalho.
Medito na minha incapacidade de atender com atenção aos próximos
a quem tanto quero, ocupado que sou pela vida pública. Obsessão
de servir ao geral, com imperdoável falta de cuidado com os de perto.
Nisso não a soube imitar. Mesmo assim, é herança ética.
Por outro lado, naquele distante 1991, via-a feliz por saber-me homem público,
e recordo o conselho: "Fique contra e lute, porém jamais faça
ataques pessoais". Isso se transformou numa realidade em minha vida. Logo
ela, tão valente e brigona em jovem, viúva, gaúcha braba
e brava, sábia e lutadora, a sugerir-me a temperança na política
e no jornalismo, isso num país de política que só se destaca
pelo seu lado doentio.
No momento em que escrevo esta crônica, como em quase todos os dias de
minha atual maturidade, sua imagem retorna a mim, conselheira: "Faça
o que lhe cabe, não espere compreensão, agradeça o que
chegar e tenha paciência, que o reconhecimento virá, sobretudo
quando sua atual vaidade não precisar mais dele e bastar-se com o que
faz e com o que é".
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