A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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O dilema do "Antenor" da novela

(Artur da Távola)

No capítulo de sexta feira última de Paraíso Tropical, Tony Ramos deu um show de qualidade interpretativa: ele e a Renée de Vielmond (tão bem-vinda em seu retorno à televisão). Fiquei a pensar no que se passou entre aqueles personagens da trama:

O que torna difícil e eternamente enigmática a relação amorosa, é que ela se sustenta num tripé quase nunca regular: sensualidade, afetividade e segurança. Esses três elementos não são estáveis ou simétricos. Até brigam entre si, contradizem-se. Precisam equilibrar-se, o que significa o máximo de tensão, entre os três. A contradição é a seguinte: sem esse equilíbrio, a relação se torna difícil e com ele é penosa e cheia de renúncias. Eu penso que se pelo menos houver dois desses três elementos, ela se sustenta. Mas se há um só....não dura.

· SEGURANÇA: não há lei mandando um marido ou uma esposa serem afetivos, carinhosos, atentos, manterem fidelidade, lealdade, mas todos os códigos puniram e punem o excesso de sensualidade que constantemente conduz à sedução, à exacerbação dos sentidos e até ao chamado adultério. Um mistério profundo este que leva o homem e a mulher em estado de amor a tanto necessitarem da segurança através da dedicação exclusiva da outra parte. Emocionalmente ela (a segurança) não pode ser desprezada. Por mais evoluída que a pessoa seja ou queira ser raramente ela pode ser esquecida. Nunca vi a tal da relação aberta dar certo... Pela segurança na relação muita infelicidade nas outras partes da relação é trocada por continuidade tranqüila ou tempestuosa (mas continuidade) da relação. Ela é poderosa e castradora porque independe do prazer.

· AFETIVIDADE: esta, inclui a afinidade, o sentimento dominante, condições fundamentais do relacionamento amoroso. A afetividade está sempre presente no lado mais carente de todos nós: o lado carência,infância, dependência, necessitado de afeto e compreensão. É variada e deslumbrante em seus disfarces. Ora é carinho, ora é paciência e atenção, ora é capacidade de calar discordâncias, ora é fingir que não vê. É o elemento que melhor se dá com os outros dois. Mas sem a segurança se torna inócua e sem a sensualidade se torna melosa, embora possa fazer prodígios de resistência em uniões nas quais sensualidade e segurança estão ameaçadas.

· SENSUALIDADE: inimiga da segurança e da afetividade, embora só funcione a favor da relação amorosa quando entrosada com as mesmas. É o pólo desequilibrador do tripé, embora essencial. E aí é que está o problema. Uma contradição, é certo. Mas de contradições são feitas as relações humanas e amorosas. Pode dirigir-se só para a pessoa amada, mas mesmo nesses casos (sensualidade com fidelidade) ela é por definição inquieta, exigente, inesgotável, resiste com dificuldade a cansaços e desencantos. No caso de não se dirigir apenas ao objeto amado exige variedade, cede a vaidades, é carente e aceita qualquer estímulo novo. É um dos elementos complexos e misteriosos da relação amorosa, principalmente por que levou milênios se disfarçando para poder sobreviver em sociedades que a condenaram, por temer seu caráter desintegrador e, paradoxalmente pela forte dose de prazer por ela representada.

Sensualidade, afetividade, segurança. Sem esse tripé ou, repito, pelo menos com duas das três pontas desse triângulo, não há relação que se agüente. A não ser na hipocrisia ou na renúncia á felicidade possível.

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