A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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Os artistas fora da mídia

(Artur da Távola)

Vendo a repercussão da morte de Carmem Costa em televisões que raramente a convidaram para cantar e em emissoras de rádio que não programavam seus discos, lembrei-me de algo que deveras me comove: o artista excluído da mídia, nunca se sabe por quais critérios. E peço: Que jamais se iluda um artista fora da mídia. Ele é um anjo que se tornou triste. E, sobretudo, que jamais o desiludam. É pecado mortal dizer ou pensar: "Coitado, esse acabou e não sabe". Jamais ser piedoso por hipocrisia: ele percebe. É necessário paciência com suas queixas e que se busque compreender-lhe a arte.

Há dois tipos de artista fora da mídia: os muito superiores ao que, em cada momento, domina o mercado; e os muito inferiores. Um acaba injustamente infeliz; o outro, acaba chato. Mas o sonho de ambos é simples e santo: existir, disseminar vivências sensíveis, ter o direito de mostrar quem são. Exercer a sua arte.

Vítima do implacável teor seletivo do mercado e seus ávidos especialistas, por justos ou injustos critérios, com ou sem qualidade artística, deixa de vender discos, livros e de atrair público. É o "apartheid" da fama.

O artista fora da mídia é alma no purgatório. Aguarda o veredicto do Destino com o olhar cavo e machucado de certos cães. Expulso da passarela iluminada, amarga injustiças e não entende o que acontece e por que ficou a sobrar, esquecido. Espremido entre o orgulho de não pedir e a dor da discriminação, divide-se entre os que se conformam, entristecidos, e os que se fazem ressentidos e descobrem argumentos, justos e injustos, contra os que não os chamam para atuar.

Que jamais se prometa a um artista fora da mídia o que não se poderá fazer. Mais vale um não sincero, que um sim impossível de ser cumprido. Jamais deve ser recebido com ar de enfado ou palavras de consolação. Tampouco com esmolas afetivas. Ou se lhe dá trabalho, ou se lhe fale franco. Ele é um ser de sofrida solidão e terna dependência de reconhecimento e carinho. Uiva saudades para as luas imaginárias de suas lembranças. É um tipo de excluído que não está nos manuais dos direitos humanos.

Que Deus dê a todo artista fora da mídia paciência e esperança suficientes para prosseguir. Às vezes o reconhecimento chega depois. Até mesmo, quando já não importa.

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