A Garganta da Serpente
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O belo, a beleza e a verdade

(Artur da Távola)

Li há tempos, anotei no caderninho, mas esqueci de colocar o nome do autor ou autora:

"Muitos pensam que contemplam o belo, mas na realidade apenas admiram o belo em alguns momentos. A arte de admirar o belo é mais do que admiração superficial. É preciso respirar o belo, sentir o seu sabor mais profundo. Contemplar o belo é um bálsamo, um verdadeiro prazer de viver."

Eu concordo mas estou convencido de que o belo não esgota a beleza. Há sempre algo mais. Daí a importância de ir além do belo como admiração superficial. É desvendá-lo além de sua aparência hipnotizadora. Está complicado: vou tentar de novo, trocando a palavra belo pela palavra bonito.

Por exemplo: o que é bonito e nos provoca o prazer dos sentidos e isso já é muito importante para o aperfeiçoamento humano. No auge do romantismo do século dezenove , seus seguidores identificavam o estético como caminho para o ético. Até concordo. Mas estou convencido de que verdadeira beleza vai além do que é bonito. E não desemboca no ético: começa nele. E nesse além, existe algo relacionado com a verdade. Sim, a verdade, em inúmeras de suas faces. E quando há uma verdade no seio da beleza, metade dela entendemos e nos emocionamos e a outra metade sentimos existir, percebemos, porém ela sempre se nos escapa logo após se revelar. Ela mora além. A gente tem um vislumbre e ele logo desaparece. Aliás creio que assim também é o sentimento da existência da Divindade. Daí o conceito de re-velação

Lembro-me do rosto de Ingrid Bergmann. Bonito? Mais que isso: lindo. Mas a verdadeira beleza daquela mulher era um mistério semi deslindável que estava além do lindo. Nesse belo conectamos sem plena explicação uma parte nossa que se identifica com esse além. A beleza tem uma cara visível porém está sempre um pouco além do que a sentimos. E a beleza pode existir também fora do (e alheia ao) que é bonito, É necessária a verdade daquela beleza.

Desculpem vir com papo cabeça num dia de sábado: É que desde quinta feira à noite, quando começou a chover pude sentir, assim de repente, a beleza contida nessa pacificação da natureza trazida pelo outono. Ela expressa nossa busca de beleza e verdade: o equilíbrio entre o frio e o calor, ou o azul das telas de Monet. Ou o Concerto para Piano Nº 2 de Brahms. Ou um gol. Ou a obra do Chico Buarque. Tanta coisa há que está muito além do bonito e alcança a verdade e a beleza Quanto maior a nossa captação da beleza oculta no que já é bonito, lindo e prazenteiro, maior também será a nossa felicidade.

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