Um dos dramas do ser humano é este: todas as vidas que a gente tem
não cabem em toda a nossa vida.
Quanto mais complexo o ser humano, maior a impossibilidade de conciliar internamente,
e/ou de viver as várias vidas existentes.
Pessoas há que, para dar vazão às vidas que se tumultuam
por dentro da gente, partem para a arte. Nesse sentido, a arte é puro
processo de criação, porque permite a existência das várias
vidas que - paralelas - vivemos internamente.
Escrever, pintar, representar, poetar, musicar, cantar, tocar, fabular são
a vazão que o artista dá a todas as vidas que tem e não
cabem em toda a vida vivida, porque toda a nossa vida vai sendo ocupada, desde
cedo, com deveres e idéias que adotamos (ou nos fizeram adotar) e com
os quais, de alguma forma, cimentamos compromissos, deveres, responsabilidades.
Outras pessoas, porém, em vez da forma projetiva, exorcista, econômica,
encapsulada, simbólica ou representativa, sem a possibilidade da forma
artística citada, jamais partem para viver todas as vidas que têm.
Quem se sente artista, porém, em qualquer campo, ou mesmo cientista,ou
inventor consegue (não sem sacrifício) viver o máximo de
vidas possível. E sem entrar na esquizofrenia, ou nela entrando no ato
criativo, consegue dela sair ao concluir a criação.
Quem tenta viver todas as vidas que tem, pela coragem, pelo desprendimento,
pelo impulso de enfrentar o impossível, estes, mesmo quando não
merecem a adesão ou apoio dos demais (pois necessitam de muita solidão),
ganham-lhes o respeito, ora invejoso ora admirado. É que são capazes
de sofrer para se expor a tudo aquilo que, embora seduzindo, provoca natural
temor no homem médio.
Ter muitas vidas, as tantas que não cabem em toda a nossa vida, é
saber-se pouco diante do muito que se é capaz de sentir, fabular, criar
. É conseguir sair da rigidez ou do empacotamento impostos na infância
por adultos, escola, sociedade, classe social, todos repressores e tornar-se
parte de outros mundos humanos, aos quais deve percorrer com a emoção
de criança em viagem de férias.
É ser amigo de sua diversidade interior e nela encontrar, ao amadurecer,
a própria identidade, alcançável (mesmo com imperfeições)
no ápice do processo de desenvolvimento humano.
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