Percebo aonde vai. São três e vinte da tarde e o passo seguro, uma
pressa sentida, óculos escuros, a calça comprida branca não
é justa demais, mas suficiente para demonstrar resistências cárneas
de seus 40 e poucos anos. Já sei aonde vai: encontrar-se com seu amor.
A mulher que tem um amor em segredo não é que se esconda, mas anda
na rua como se não olhasse para os lados, com medo de que os lados olhem
para ela. O passo é firme. Há uma pressa contida para não
despertar desconfiança. Há sempre uma seriedade grave na mulher
que vai encontrar o seu amor. Parece prever os crimes e dores embrulhados em toda
verdadeira história de amor, ao lado das felicidades prometidas e do milagre
da reciprocidade sensual. Ela parece zangada, mas tudo aquilo é defesa
para a fragilidade e a consciência antecipada das conseqüências
do amor. Sobretudo quando maduro.
Aquela mulher de quarenta e poucos anos, ainda bela e rígida, a carne alegre,
os impasses vividos, é uma figura fascinante. Um casamento fracassado?
Filhos adolescentes que muito lhe exigem de cuidado e atenção? Sua
mãe idosa e sábia a desaconselhar-lhe a aventura? O medo de que
o marido (será ela casada?) tudo descubra? E o flagrante? Toda essa tragédia
doentia, verdadeira ou não, pulsa na mulher severa que vai célere
ao encontro do homem amado ou desejado, em horas perdidas, migalhas de tempo que
as horas esquecidas das tardes e a felicidade almejada lhe permite entre sobressaltos
e sustos.
Percebo-lhe o fremir contido a pulso, mas taquicárdico, ao vê-la
no passo decidido e no jeito discreto de caminhar seguro, indiferente aos transeuntes,
porque a mulher apaixonada só sabe de seu amor. Ela é o monotema
de tudo o que cala e não do que fala. O amor em segredo de mulher pulsa
silencioso mas gritante por dentro de tudo o que faz e diz. Tem a mesma obsessão
recôndita e irrevelada dos suicidas antes da consumação do
ato. É um ser de susto e coragem notável.
É ela que vejo passar, com muitos rostos diferentes nas tardes esquecidas,
o passo firme e ar de poucos amigos, como se a rua fosse uma demorada e inoportuna
passagem, irritante e inacabável intervalo até o momento do encontro
redentor. Sinto-lhe o latejar da alma e do sangue e torno-me admirador de sua
decisão. Por certo ela deve ser bem mais corajosa do que o ser amado. Deve
enfrentar decisões para ele impossíveis por causa da falta de coragem
comum aos homens. Lá vai ela em seu passo vencedor de guerreira, disposta
a tudo, até morrer, por uma hipótese de felicidade e a incerta impressão
de que tudo pode acabar de repente.
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