A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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Um senhor metido a aconselhar

(Artur da Távola)

Revendo velhos papéis, encontrei estas reflexões. E pensei: Céus, como sou metido! Ei-las.

A vida é substantiva, nós é que somos adjetivos.

Se você supõe que disponibilidade com paz não é felicidade, que a vida lhe ensine a aproveitar os raros momentos em que ela (a paz) surge. Que a vida ensine a cada menino a seguir o cristal que leva dentro, a bússola existencial não-revelada de sua percepção silenciosa e a capacidade de prosseguir com o que lhe é peculiar e próprio, por mais que pareçam úteis e eficazes as coisas que a ele não soam como tal.

Que a vida nos ensine a todos a nunca dizer as verdades na hora da raiva. Que desta aproveitemos apenas a forma direta e lúcida pela qual, por seu intermédio, as verdades se nos revelam; mas, para dizê-las depois. Que a vida ensine que tão ou mais difícil do que ter razão, é saber tê-la.

Se você pensa que sabe, que a vida lhe mostre o quanto não sabe. Se você é muito simpático, mas leva meia hora para concluir seu pensamento, que a vida lhe ensine que explica melhor o seu problema aquele que começa pelo fim. Se você pensa que viver é horizontal, unitário, definido, monobloco, que a vida lhe ensine a aceitar o conflito como condição lúdica da existência. Tanto mais lúdica, quanto mais complexa. Tanto mais complexa, quanto mais consciente. Tanto mais consciente, quanto mais difícil. Tanto mais difícil, quanto mais grandiosa.
E concluo com um poemeto meu, com o qual já encerrei muitas crônicas:
Que aquele garoto que não come, coma. Que aquele que mata, não mate. Que aquela timidez do pobre passe. Que a moça esforçada se forme. Que o jovem jovie. Que o velho velhe. Que a moça moce. Que a luz luza. Que a paz paza. Que o som soe. Que a mãe manhe. Que o pai paie. Que o sol sole. Que o filho filhe. Que a árvore arvore. Que o ninho aninhe. Que o mar mare. Que a cor colora. Que o abraço abrace. Que o perdão perdoe. Que tudo vire verbo e verbe. Verde. Como a esperança.

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