Revendo velhos papéis, encontrei estas reflexões. E pensei: Céus,
como sou metido! Ei-las.
A vida é substantiva, nós é que somos adjetivos.
Se você supõe que disponibilidade com paz não é
felicidade, que a vida lhe ensine a aproveitar os raros momentos em que ela
(a paz) surge. Que a vida ensine a cada menino a seguir o cristal que leva dentro,
a bússola existencial não-revelada de sua percepção
silenciosa e a capacidade de prosseguir com o que lhe é peculiar e próprio,
por mais que pareçam úteis e eficazes as coisas que a ele não
soam como tal.
Que a vida nos ensine a todos a nunca dizer as verdades na hora da raiva. Que
desta aproveitemos apenas a forma direta e lúcida pela qual, por seu
intermédio, as verdades se nos revelam; mas, para dizê-las depois.
Que a vida ensine que tão ou mais difícil do que ter razão,
é saber tê-la.
Se você pensa que sabe, que a vida lhe mostre o quanto não sabe.
Se você é muito simpático, mas leva meia hora para concluir
seu pensamento, que a vida lhe ensine que explica melhor o seu problema aquele
que começa pelo fim. Se você pensa que viver é horizontal,
unitário, definido, monobloco, que a vida lhe ensine a aceitar o conflito
como condição lúdica da existência. Tanto mais lúdica,
quanto mais complexa. Tanto mais complexa, quanto mais consciente. Tanto mais
consciente, quanto mais difícil. Tanto mais difícil, quanto mais
grandiosa.
E concluo com um poemeto meu, com o qual já encerrei muitas crônicas:
Que aquele garoto que não come, coma. Que aquele que mata, não
mate. Que aquela timidez do pobre passe. Que a moça esforçada
se forme. Que o jovem jovie. Que o velho velhe. Que a moça moce. Que
a luz luza. Que a paz paza. Que o som soe. Que a mãe manhe. Que o pai
paie. Que o sol sole. Que o filho filhe. Que a árvore arvore. Que o ninho
aninhe. Que o mar mare. Que a cor colora. Que o abraço abrace. Que o
perdão perdoe. Que tudo vire verbo e verbe. Verde. Como a esperança.
Que tal comprar um livro de Artur da Távola? O Jugo das Palavras |