Desculpe, Fernanda: a sua vida é um bendito rosário de elogios.
Mas, hoje, vou constrangê-la, indo além. Sei que o elogio, quando
demasiado, perde força e parece bajulação. Vou enfrentar,
porém, o desafio de ser sincero e de me considerarem um sujeito sabujo.
Vou ultrapassar o elogio e, por conseqüência, até pretendo
reclamar de seu excesso de classe.
Você está demais em Belíssima! Todo mundo sabe a grande
atriz que é e que se divide, com perfeição e parcimônia,
entre teatro, cinema e televisão. Como toda grande atriz, não
precisa de vaidade: basta saber escolher a personagem. Em Belíssima você
está a dividir com o Brasil inteiro, uma interpretação
monumental. Conhecemos-nos há muitos anos e você sabe que posso
elogiar, porque não sou um babão, tampouco um deslumbrado, após
tantos quilômetros percorridos de análise na área de comunicação.
E você, sua danada, sabe que está demais, e começou a gostar
(no sentido artístico da personagem e como a leva) do que está
a realizar e agora tem estado impossível. Atingiu a quintessência
da arte de representar.
Aristóteles, já na Grécia antiga, dividia em cinco os elementos
constitutivos da natureza. E o quinto era o mais sutil e imponderável:
o éter. E que ninguém me confunda a substância etérea
com o éter etílico, aquele com o qual se empapa o algodão
e se esfrega no bumbum antes de dar a injeção. É éter
no sentido de ar, de algo intangível, sublime e inefável, porém
real, como o vento que ninguém vê e todos sentem. Pois atingir
a quintessência é alcançar a quinta essência, repito,
o mais sutil e elevado dos elementos que compõem a natureza. É
o seu caso, Madame Quintessência! É o estado dos anjos, dos espíritos
de luz, dos grandes artistas e também dos santos.
Você conhece cada pormenor da arte de transmitir o que deseja. E o grande
artista é aquele ou aquela que, em vez de representar, tipo: "olhem
como estou triste", "vejam como eu o detesto" "meu Deus,
mas como eu sou comunicativa", ao contrário, é puro controle
e o pormenor grita, porque se transforma em "pormaior". Ele não
"vive" apenas em si o personagem. Outrossim, faz do espectador a tela
na qual projeta o sentimento e as sutilezas que deseja. E, ainda por cima, deixa
clara a inteligência do personagem, isto é, o que o mesmo não
fala, mas está patente extra ou intra-texto. Isso já seria suficiente
para consagrar atores e atrizes. Só que, nestes últimos vinte
anos, você o realiza sem esforço, quase a se divertir, no exato
meio termo entre criticar a personagem, mas ser honesta demais e seguir fielmente
o rol da mesma.
Repito: Fernanda, você está demais em "Belíssima"!
Tenha pena de nós e dê uma chancezinha para não morrermos
de amores (com licença do Fernando) ao vê-la atuar. E isso no meio
daquele elenco de primeira! Piore um pouquinho. Assim nos sentiremos menos subjugados...
Que tal comprar um livro de Artur da Távola? O Jugo das Palavras |