A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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Fernanda Montenegro

(Artur da Távola)

Desculpe, Fernanda: a sua vida é um bendito rosário de elogios. Mas, hoje, vou constrangê-la, indo além. Sei que o elogio, quando demasiado, perde força e parece bajulação. Vou enfrentar, porém, o desafio de ser sincero e de me considerarem um sujeito sabujo. Vou ultrapassar o elogio e, por conseqüência, até pretendo reclamar de seu excesso de classe.

Você está demais em Belíssima! Todo mundo sabe a grande atriz que é e que se divide, com perfeição e parcimônia, entre teatro, cinema e televisão. Como toda grande atriz, não precisa de vaidade: basta saber escolher a personagem. Em Belíssima você está a dividir com o Brasil inteiro, uma interpretação monumental. Conhecemos-nos há muitos anos e você sabe que posso elogiar, porque não sou um babão, tampouco um deslumbrado, após tantos quilômetros percorridos de análise na área de comunicação. E você, sua danada, sabe que está demais, e começou a gostar (no sentido artístico da personagem e como a leva) do que está a realizar e agora tem estado impossível. Atingiu a quintessência da arte de representar.

Aristóteles, já na Grécia antiga, dividia em cinco os elementos constitutivos da natureza. E o quinto era o mais sutil e imponderável: o éter. E que ninguém me confunda a substância etérea com o éter etílico, aquele com o qual se empapa o algodão e se esfrega no bumbum antes de dar a injeção. É éter no sentido de ar, de algo intangível, sublime e inefável, porém real, como o vento que ninguém vê e todos sentem. Pois atingir a quintessência é alcançar a quinta essência, repito, o mais sutil e elevado dos elementos que compõem a natureza. É o seu caso, Madame Quintessência! É o estado dos anjos, dos espíritos de luz, dos grandes artistas e também dos santos.

Você conhece cada pormenor da arte de transmitir o que deseja. E o grande artista é aquele ou aquela que, em vez de representar, tipo: "olhem como estou triste", "vejam como eu o detesto" "meu Deus, mas como eu sou comunicativa", ao contrário, é puro controle e o pormenor grita, porque se transforma em "pormaior". Ele não "vive" apenas em si o personagem. Outrossim, faz do espectador a tela na qual projeta o sentimento e as sutilezas que deseja. E, ainda por cima, deixa clara a inteligência do personagem, isto é, o que o mesmo não fala, mas está patente extra ou intra-texto. Isso já seria suficiente para consagrar atores e atrizes. Só que, nestes últimos vinte anos, você o realiza sem esforço, quase a se divertir, no exato meio termo entre criticar a personagem, mas ser honesta demais e seguir fielmente o rol da mesma.

Repito: Fernanda, você está demais em "Belíssima"! Tenha pena de nós e dê uma chancezinha para não morrermos de amores (com licença do Fernando) ao vê-la atuar. E isso no meio daquele elenco de primeira! Piore um pouquinho. Assim nos sentiremos menos subjugados...

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