As pessoas são (somos) vítimas das próprias fantasias quase
sempre prisioneiras de suas concepções de vida e de mundo. Elas
nos dominam, tiram a nossa liberdade (quanta vez em nome dela, liberdade), fazem-nos
maus ou bons intérpretes daquilo em que acreditamos. Somos tão
envolvidos pelos valores de nossa classe social e dos modos de comportamento
e crenças ou idéias que raramente descobrimos como exercer uma
visão analítica ou crítica sobre o próprio comportamento.
O que caracteriza o estado de consciência lúcida ou reflexiva
do ser humano, é a capacidade de atribuir sempre um valor relativo às
próprias reações, convicções, idéias
e comportamentos. É conhecer em função de que valores,
de que idéias e de que tabus ele se comporta, pensa e age. Sem relativizar
as causas do próprio comportamento, crenças e convicções,
o ser humano é e será mero joguete das circunstâncias que
o formaram ou que influenciaram a sua formação. Este é,
aliás, o sentido mais profundo do livre arbítrio, base e fundamento
do humanismo e da democracia.
Quando o ser humano apenas reage, sem poder ou conseguir analisar por que o
faz, ele não está exercendo o livre arbítrio: ele está
operando cegamente, condicionado, por mais que a sua ação lhe
pareça livre, adequada, perfeita, justa. Em vez de reagir, agir. Mas
poucos conseguem adaptar essa verdade a si mesmos.
Acontece, porém, que assim como fomos dotados da possibilidade de um
arbítrio livre (fórum interno de debates que nos permite julgar
os prós e contras eternos das nossas posições, idéias
e convicções), assim, também, raramente usamos essa instância
salvadora.
No dia-a-dia, premidos pelas limitações do instante que passa
e da necessidade de ter que decidir, ter que opinar, ter que fazer, nada mais
fazemos do que repetir e repetir comportamentos anteriores, convicções
já firmadas, pontos de vista que já tínhamos.
Somos, todos, salvo os que sabem se transformar em seres livres, meros repetidores
das coisas nas quais já cremos. Em função desse comodismo
misturado com a dificuldade de ver o novo em cada coisa, agimos sem qualquer
forma de análise sobre a própria ação. Agimos segundo
os ditames de nossa classe social, às modas, às idéias
anteriores, às conveniências. Há uma frase muito boa e muito
usada pelo vulgo, bastante expressiva do que venho querendo significar: "Ele
dança conforme a música". A vida é constituída
de várias músicas. Cada grupo social tem a sua, e dança
conforme ela. Salvo quem aprende a pensar e de transforma em um instrumento
de seu ser interior profundo.
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