Raramente se vêem freiras vestidas com aquele hábito antigo. Hoje
é saia e blusa estilo moderninho, sei lá: acho justo e confortável,
mas me parecem, assim, menos freira. Por isso o espanto, dia desses, ao descer
a Rua Faro, ver uma freira com aquele pano branco na cabeça e o hábito
marrom. Não sei ao certo mas o hábito marrom nas ordens religiosas
tem a ver com uma certa hierarquia interna. Os Franciscanos antigamente vestiam
também, hábitos marrons. Padre de calça comprida é
menos simbólico.
Não é este, porém o assunto da crônica e sim o mistério
que desafia o cronista encapsulado na dúvida sobre o que estaria aquela
mulher de uns cinqüenta anos, a pensar. Ou a carregar consigo naquela tarde
esquecida do tempo na Rua Faro. Vinha circunspeta, com o pudor comovente das
freiras de verdade. Imaginei primeiro ser seu pensamento em como compraria presentes
de Natal para os meninos e meninas nos estabelecimento de sua ordem. Depois
fui mais cruel: imaginei-lhe crises de fé, comuns a religiosos de todos
os credos. Instantes de perda de confiança na eternidade, nas vantagens
do bem após a morte, no cansaço milenar de pregar o Cristo para
gente que diz aceitá-lo porém na prática e no comportamento
o renegam com hipocrisia,
Ou será que pensaria, inocentemente em estado de infância espiritual
no paraíso e num descanso profundo do qual sairia para um viver gozoso
na contemplação da Divindade e o desvendar esplendoroso do esmagador
mistério existencial que nos aterra e desafia. Cria, sim, na vida eterna.
Porém como concebê--la imaginá-la e talvez querer logo partir
para ela?
Lá vai a freira de hábito marrom. Estará a orar em silêncio,
impregnada da luz cósmica que intui ou simplesmente olha com pena os
apelo da carne aos quais renunciou. O pensamento se lhe atropela; lembra desde
o menino do qual gostou em criança e do qual jamais se esqueceu, até
a grandeza de estar a viver a humildade cristã, no serviço a Deus,
nas renúncias que se impôs.
Lá vai a freirinha de hábito antigo marrom, cabeça coberta
pelo pano branco imaculado e durinho de goma. Nem imagina que um cronista maluco
a vê passar, emocionado com sua vida á qual não conhece
e se mete a invadi-la com considerações leigas de um reles pecador.
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