A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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Lula e a esquerda maior de 60 anos

(Artur da Távola)

Estou cheio de ainda mais problemas e não sabia. Reconhecia alguns, típicos desses quase setenta e um anos e triglicérides altos, isso na qualidade de um idoso seminovo, vidros elétricos, ar de fábrica, bancos reclináveis e pneus novos. Os demais, problemas com a melhor das intenções o Presidente Lula me arranjou, num discurso aliás de bom senso, há dois dias, quando disse que qualquer maior de sessenta (e aludiu a si mesmo), se é de esquerda é porque está cheio de problemas. Esquerda é para jovens. Ele mesmo aos sessenta, diz que já foi de esquerda e hoje está "meio para social democrata". Ora, eu sou de esquerda e aos quase 71 anos não me considero cheio de problemas mentais, políticos ou radicais. Mas disso falo ao fim do artigo.

Então aos sessenta anos Lula descobre que a tendência natural é avançar pelo centro com idéias de esquerda! Aconteceu o milagre! E o reconheceu de público num discurso que passou em branco pelos principais analistas de nossa imprensa.

Mas está na hora de dizer o que considero ser de esquerda.

Desde que terminei os anos de exílio na Bolívia e no Chile (consegui sair de lá antes do regime Pinochet, por isso cá estou: poderia ter sumido no meio daqueles crimes hediondos) aprendi que a verdadeira esquerda não é o que eu pensava, como inchação do Estado para distribuir a Justiça Social de modo eqüitativo, prevenção contra a empresa privada e a idéia de que cada País deveria produzir tudo o que necessita para sobreviver. Aprendi nas leituras e no amargo exílio que a verdadeira esquerda é a democracia social ou social democracia. Nada de o Estado impor o monopólio do pensamento, religião, padrões estéticos ou ditaduras do proletariado ou de qualquer tipo. Aprendi que a verdadeira esquerda é a posição de quem deseja a renovação constante da sociedade; é generosa em seu comportamento; vive da democracia, da substituição no poder e equilibra estado e iniciativa privada num trabalho reitor feito pelos governos se possível dentro do sistema parlamentarista.

Como diz Norberto Bobbio: "nem o estado máximo dos totalitários, nem o estado mínimo dos liberais: mas o estado socialmente necessário". E nesta esquerda democrática já milito há quarenta anos, convencido de sua razoabilidade. Fico, portanto, feliz, ao ver o Presidente Lula nesta grande revisão que está a fazer de sua vida e métodos de governo, idem de idéias e pensamentos. Só falta agora o Presidente aprofundar alguns conceitos para compreender melhor ainda que a verdadeira esquerda, típica da maturidade pessoal, psicológica, espiritual e política é a social democrática. Justamente aquela que a esquerda atrasada adora ofender acoimando-a de neoliberal.E é a compreensão de que no mundo moderno só a interdependência entre os povos garante a plenitude da soberania de cada um.

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