A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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Um comunista na presidência

(Artur da Távola)

É impressionante como os preconceitos são arraigados em todos os setores da população. Teoricamente, supõe-se que os jornalistas, por serem profissionais de nível superior, são capazes de surpreender o preconceito, onde quer ele se infiltre, sorrateiro ou óbvio.

Pois não são, embora adorem descobrir preconceitos de toda ordem nos demais. Quando o Presidente Lula viajou para visitar seu líder Chavez e assinar alguns acordos bilaterais, o honrado Deputado Aldo Rebelo, Presidente da Câmara, assumiu interinamente a Presidência, na forma da lei. Não houve um jornal, ou emissora de rádio e de televisão que não expusessem em gritantes manchetes: Um Comunista na Presidência. Pensemos juntos: O que há de surpreendente? Caso assumisse o Vice-Presidente, ora operado e, felizmente, em recuperação, ninguém escreveria: Um Conservador assume a Presidência.

Isso é exatamente igual àquele preconceito racial enfrentado, quando alguém diz: "Aí apareceu um crioulão com uma arma". Ninguém diz: "Aí apareceu um brancão com uma pistola". Por que? No fundo é o preconceito. Num País que, em consonância com a Lei, se diz aberto a todas as formas de pensamento, um comunista assumir a presidência por menos de um dia parece uma raridade. Dá manchetes. E nenhum responsável por essas manchetes se imagina preconceituoso. É o velho ranço anticomunista a perdurar até mesmo quando os comunistas, com raras exceções, nem mais comunistas são...

Mas a história tem outra ironia: quem disse que Aldo Rebelo é comunista? Meus fraternos leitores e leitoras conhecem algum discurso dele nessa direção? Ele renega a democracia liberal representativa? Tem-se mostrado inimigo do grande capital, ou adere tranquilamente a todos os padrões da acima citada democracia liberal representativa na plenitude de sua versão burguesa? Ele é de um Partido que se diz Comunista. E de fato foi, no tempo do João Amazonas. À época, defendia a linha albanesa, que era a mais atrasada forma de comunismo do mundo. Seu legado foi deixar um país paupérrimo e sem nenhuma justiça social. E eram severos críticos do regime chinês. Que tal?

Hoje o PCdoB é um partido composto de gente idealista e séria que, sem bússola ideológica, representa o atraso da esquerda. Um partido muito menos de esquerda do que, por exemplo, a social democracia, esta, a forma contemporânea da esquerda democrática. O PCdoB transformou-se em um partido que vive de alianças espertas. Partido honrado, sim, de militantes idealistas em sua maioria, mas distante, quilômetros, de propor um regime comunista, porque totalmente acomodado ao modelo vigente. Dentro desse marco, nenhum comunista assumiu a Presidência. Assumiu, sim, um político sério, de alto nível, o Aldo Rebelo, homem equilibrado, respeitado pelos demais, calmo e firme nas decisões e cuja entrada no cargo de imediato moralizou a Câmara, poupando o Brasil de uma crise institucional que se avizinhava por causa daquela roubalheira toda e dos Severinos da vida.

Mas comunista, cá entre nós, ele não deve ser há alguns anos. A menos que prove. Ou abandone a democracia burguesa e se inscreva no MST.

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