A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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A tragédia do presidencialismo

(Artur da Távola)

A coisa vem dos gregos, há milênios. E estamos a repeti-la nesta quase véspera das eleições. Platão e Sócrates atacavam os sofistas. Até hoje existe a expressão 'fulano está sofismando', para significar o uso de um argumento aparente, ou verossimilhante, porém não real. Havia um tal de Górgias, que era sofista e "gorjeava" seus discursos e sua retórica. Para combatê-lo, dizia Sócrates por si e também interpretando Platão: "Não é necessário, para ele (Górgias) conhecer o que é realmente justo, ele se basta com falar o que parece justo à multidão." Platão e, depois, Sócrates condenavam a retórica. Ela seria a arte do engano e um veneno para a alma e a filosofia.

Passaram-se milênios e nada mudou Em uma eleição presidencialista é exatamente isso o que se vê e se ouve, e que ilude a população. Poucos falam para afirmar valores. A maioria fala para dizer o que o auditório quer ouvir. Sofismas, pois.

Há anos clamo no deserto que o presidencialismo é a causa da tragédia política brasileira. No presidencialismo, ainda mais com as medidas provisórias e a exigência de quorum alto para derrubar os vetos do Presidente, este (refiro-me a todos os presidentes) é o chefe de uma ditadura legal. O Congresso é quase uma ficção. Isso não acontece agora. Sempre foi assim (é assim) no Presidencialismo.

Neste sistema de governo, apenas uma pessoa decide em nome de milhões. O resultado, por exemplo, é um Bush da vida que agora enlouqueceu de vez - e não quero perder tempo com esse assassino. O presidencialismo brasileiro ainda concentra mais poderes em uma só pessoa que o norte-americano, no qual se baseou. A maioria dos países sérios e estáveis do mundo é parlamentarista, seja com um rei como poder moderador, seja com presidente eleito. Mas o chefe de governo é o Primeiro Ministro. Este governa, enquanto tem maioria no Congresso. E o Rei ou o Presidente, conforme a situação, possui, entre outros, o poder de dissolver o Congresso, sempre que haja uma crise insolúvel (como a que vive o Brasil no momento). Ou, se o Congresso merece o repúdio da população ou é palco de escândalos, casos em que é dissolvido e novas eleições são imediatamente marcadas para dois meses depois. Ou, quando haja um voto de desconfiança no primeiro Ministro que, então, perde o cargo. No Parlamentarismo, a atual crise brasileira estaria resolvida há mais de um ano.

O Presidencialismo corrói os partidos, gera a corrupção na busca da maioria congressual e, se o Presidente não andar bem, há que permanecer com ele por quatro ou cinco anos, conforme o país. O resultado é a fúria que vemos nos debates, o culto à personalidade, a exaltação de formas simbólicas e reais, em lugar de escolhas serenas e com predominância do elemento racional. Tudo fora da paixão.

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