Não sou juiz de pessoas. Cada ser humano tem direito a seu mistério
e à sua subjetividade. Por isso, não escrevo para julgar o Pelé,
como tenho lido fartamente por aí.
Quero apenas traduzir um sentimento especial que me dominou, quando soube da
morte de sua filha, em Santos, precoce, por câncer fulminante. Sempre
que a vi na televisão, impressionou-me a semelhança com o pai
e com os traços de Pelé atenuados e arredondados. Pelé
tem olhos mongólicos. Ela os possuía redondos, tristes e belos.
Pelé é e está sempre a sorrir, devolvendo à vida
o que esta lhe deu em milagre e dádivas. Essa moça, não.
Apesar de bonita de rosto, padecia de uma solidão adivinhada, precisou
do exame do DNA para ser reconhecida como filha, o pai nunca ou quase nunca
a visitou. E mandou uma coroa a seu enterro. Não compareceu (compadeceu?)
Há mistérios empáticos entre os seres humanos. No rosto
daquela quase menina, como diz o samba do Sérgio Bittencourt sobre seu
pai Jacob do Bandolim, ficou "a saudade dele a doer em mim". Desconheço
causas, intimidades, pormenores da vida dela. E as razões do pai. Apenas
sei que havia sido reeleita Vereadora, o que já é sinal de trabalho
aprovado.
Como vivem as pessoas que procuram um pai ou a mãe por toda uma vida?
Digo-o por mim. Meu pai não me abandonou. Ao contrário, amava-me
profundamente. Porém morreu quando eu tinha recém feito onze anos
de idade. Entrei na puberdade, adolescência, juventude, na vida, sem pai.
Um dia, muitos anos depois, li em Freud que a perda de um pai nesta fase constitui-se
em irreparável tragédia. Por sorte, minha mãe soube ser
"mãepai". Mas a verdade é que, aos setenta anos, ainda
procuro meu pai nas dobras da memória, nos esconderijos do Mistério.
E, desde rapaz, sempre selecionei inconscientemente alguns pais optativos nas
pessoas com quem convivi, admirei e muito me influenciaram: Anísio Teixeira,
Marcial Dias Pequeno, Dr. Américo Piquet Carneiro, Orizon Carneiro Muniz,
Dr. Pedro Figueiredo Ferreira, Dr. Domício de Arruda Câmara, meu
tio Geraldo Moretzsohn e meus outros tios Mario Gonçalves Ramos e Willy
Koff. Sem falar em dezenas de escritores. Suspendo as menções,
pois levaria a crônica inteira a citar nomes, mas sempre gente mais velha
constituiu o meu rol de admirações filiais.
Acalento e acalanto em minha empatia a solidão desta moça a quem
o pai (por motivos que só ele deve saber) jamais a quis como filha. E
sinto a sua dor como se minha fosse. Corrói saber de uma solidão
cósmica e irreparável.
É... acho que Freud tinha razão: perder um pai desde cedo, ou
nunca tê-lo, é a dor de uma tragédia existencial que se
leva para o túmulo. Em vida, jamais desaparece. Quem souber responder
de modo cabal a este sortilégio do destino, por favor, cartas para o
endereço de meu site publicado logo aqui abaixo. E, desde já,
agradeço a iluminação que vier a receber.
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