A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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Quem ama não trata mal

(Artur da Távola)

Costuma-se dizer: Quem ama não mata. Em tese concordo. Observo, contudo, que o amor doente pode matar. Nem que seja em pensamento, ou projetando setas de malignidade com ondas mentais. Atingirá o objetivo? Pode ser. Mas, raramente.

Prefiro ir por outro caminho, e afirmo: Quem ama não mata, nem trata mal. Tratar mal corresponde a desamar. Isto é comum em uniões belicosas que, entretanto, não conseguem a separação, ou não precisam dela. Subsistem a duras penas.

Tratar mal é um tipo de semi-assassinato bem mais comum e corrente do que matar. Com uma diferença. O ofendido ou a ofendida fica doendo e doendo. E o ofensor se julga repleto de razões. Machuca, até mesmo quando tem razão. O verdadeiro amor trata bem. Quanta gente não trata mal, porém também não trata bem

È tarefa para heróis e heroínas do afeto isso de conviverem por muito tempo, sem projetar os seus momentos de humor transtornado em mau trato para o/a companheira. Uma frase; uma resposta mal sucedida ou momento de nervosismo, de pergunta ou afirmação que contenha setas de agressão (oculta ou às claras); um modo de falar que faz a outra pessoa sentir-se julgada idiota; uma frase fatal, ou uma inflexão raivosa, eu dizia, detona bombas da mais destruidora dinamite guardadas e dissimuladas.

Tratar bem é uma arte, até mesmo para quem convive sem amar. Simples e até lugar comum: ninguém gosta de ser maltratado. Existe também um tratar mal mental, às falado na intimidade ou amigos. Este é perigoso. Pois nos transformamos aos poucos no que falamos e no que pensamos. Este tipo de "falar mal" volta-se para quem o alimenta.

Há muitos anos, filha de amigo meu ensinou-me, ela criança e eu adulto, o seguinte: o pai reclamara dela, a ralhar, como se dizia antigamente. Ela chorou. Ele se comoveu e disse:

"-Mas, minha filha, papai gosta tanto de você. Falo para o seu bem."

Ela, na tampa, contestou: "-Eu sei, papai, que você gosta de mim, mas você não gosta do jeito que eu gosto de ser gostada."

Pronto! Aí está tudo o que eu queria dizer e já ia levando mais que o espaço de uma crônica para fazê-lo.

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