A Garganta da Serpente
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O Suicídio de Francelmo

(Artur da Távola)

Suicídio é algo que me aterra. Como a morte de filho antes dos pais, representa a destruição do milagre maior: a vida. Muitos orientais o consideram honra e heroísmo. Mas sou ocidental. O máximo é compreender causas psicológicas irremovíveis como as chamadas depressões profundas sejam perceptíveis ou sub-reptícias. Ou as heróicas.

O Brasil não prestou atenção no fato gravíssimo representado pelo suicídio do ambientalista Francisco Anselmo de Barros, o "Franselmo" ateando-se fogo, envolto em colchão encharcado de álcool como protesto pela construção de quinze usinas de álcool e açúcar no Pantanal Mato-grossense.

Ainda bem que esta grande figura (fui Senador com ela e posso atestar) que é a Ministra Marina Silva, com a firmeza de sua mansidão, no dia 15 de novembro anunciou a proibição da construção desejada pelo Governador Zeca, do seu partido, das mencionadas quinze usinas de álcool e açúcar.

O que está no centro dessa questão é se vamos sucumbir à ditadura da economia e continuar a destruir a natureza como se fez e faz de modo violento e criminoso na Amazônia, na Mata Atlântica, nas queimadas propositais de florestas, nos manguezais, na exportação ilegal de animais, ou se o País vai ser implacável na busca do desenvolvimento humanizado e construído para o ser humano e o povo e não para meia dúzia de poderosos ricaços oportunistas e desumanizados pela ambição. Há mil e uma maneiras de crescer sem destruir e mesmo de criar empregos em atividades de preservação e de agricultura, inclusive. Fico a imaginar a solidão da ministra Marina Silva, diante de tudo o que a inconseqüência brasileira faz em sua área.

Em 1972, o poeta japonês Yasunari Kawabata, Prêmio Nobel de Literatura de 1968 e grande escritor, suicidou-se, fortemente deprimido (entre outros males de seus 72 anos), por constatar que o novo Japão após a Segunda Guerra Mundial, optara por um desenvolvimento capitalista implacável, que arrebentaria a tradicional cultura da sutileza, da delicadeza, da elevação espiritual do passado japonês destruído desde que o país invadira A China de modo brutal e assassino anos antes. Não suportou viver fora de uma sociedade sensível e espiritualizada que via esboroar-se diante dele em nome do progresso econômico a qualquer preço. Por mais que o suicídio jamais me pareça solução para qualquer mal da sociedade, considero, para o futuro do Brasil, o gesto do Francelmo de igual significado ao de Kawabata: lamentável e doloroso. Mas heróico. Os ambientalistas também são poetas panteístas. Escrevem seu amor à natureza ajudando a preservá-la. Por amor à vida.

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