Um dos grandes dramas do ser humano é este: todas as vidas que a gente
tem não cabem em toda a nossa vida.
Quanto mais complexo o ser humano, maior a impossibilidade de conciliar internamente,
e/ou de viver as várias vidas existentes.
Pessoas há que, para dar vazão às vidas que latejam dentro,
partem para a arte, a política, o sacerdócio com grande mérito
e muita renúncia. Nesse sentido, a arte, por exemplo, é puro processo
de criação, porque permite virem à tona sob a forma simbólica,
a existência das várias vidas que - paralelas- vivemos internamente.
Escrever, pintar, representar, poetar, musicar, cantar, orar, servir a Deus
ou ao país, são a vazão que o artista dá a todas
as vidas que tem e não cabem em toda a sua vida, porque esta vai sendo
ocupada desde cedo com deveres e idéias que adotamos (ou nos fizeram
adotar) e com os quais, de alguma forma, cimentamos compromissos, deveres, responsabilidades.
O risco é a frustração. A vantagem é a seriedade
e a dedicação a causas importantes
Outras pessoas, porém, há, que, em vez da forma artística
citada, partem para viver todas as vidas que têm. Nada de representações
das várias! Ainda que impossível vivê-las todas, é
preciso tentar! Fazer o possível para viver o máximo de vidas
possível. O risco é a esquizofrenia. As vantagens são a
soltura, a alegria, o descompromisso.
As pessoas que tentam viver todas as vidas que têm, pela coragem, pelo
desprendimento, pelo impulso de enfrentar o impossível, mesmo quando
não merecem a adesão ou imitação do público,
ganham-lhe o respeito ou a vaia. É que elas são capazes de sofrer
para se exporem a tudo aquilo que embora seduzindo provoca natural temor no
ser humano médio.
E o que é ter muitas vidas, as tantas que não cabem em toda a
nossa vida?
É saber-se pouco diante do muito que se é capaz de sentir. É
conseguir sair da trincheira existencial e tornar-se parte de outros mundos
humanos, os quais se percorre com a alegria de criança em viagem. É
ser múltiplo na unidade e desesperadamente procurar a unidade na multiplicidade
sedutora e fugidia do mundo. Assim também é o amor: um rio de
muitas vertentes. Acaba virando um Amazonas. Vocês já viram o pouco
mais que um filete d'água onde nasce o Rio São Francisco?
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