Cada vez que a gente formula uma expectativa sobre algo que vai ocorrer, inunda
o instante futuro, o acaso, o novo, o adiante, com resíduos de um passado
mental, aquele que engendrou a expectativa e pretende aprisionar a realidade
dentro dela. E jogar passado no futuro susta a evolução.
Estamos tão pouco preparados para o novo e para o criativo que, justamente
as coisas que mais desejamos ou queremos, fazemo-las vítimas de uma expectativa
anterior a elas, mero expediente mental de controlar o futuro com o passado
da imaginação.
Aí as coisas serão ruins ou boas, não em função
delas mesmas ou de como estaremos nos momentos em que elas ocorrerão
e, sim, em função da correspondência ou não com o
esquema mental anterior, construído para aprisionar a realidade, desejos
e vontades.
Esta expectativa (que, em muitos casos, ganha o nome e o conceito prodigioso
de esperança) modela comportamentos, impulsiona multidões, gera
apetites, empurra, justifica, dá o valor de verdade aos mitos que o homem
eternamente (se) construirá, para explicar o mistério de sua existência
e enfrentar sua incapacidade de conhecer a essência do universo, ao qual
está fatalizado. Sempre restará aquilo que alcance pela intuição,
pelo êxtase ou pela revelação. Mas traz sofrimentos e frustrações
desnecessários.
Vivemos, pois, dentro de uma bolha de expectativas, fantasias e vontades que
nos empurram, não para o real e a sua maravilhosa complexidade, mas para
a confirmação do sonho, do desejo, da vontade, condicionados que
somos por processos interiores e exteriores sobre os quais temos poucos controles.
Em vez de ver o futuro com aspiração, queremo-lo apenas como confirmação
dos modelos que fizemos para ele. Daí a infelicidade.
Aprisionar o momento que passa pela expectativa que anteriormente dele construímos
é encharcar com um teimoso passado a criatividade de um futuro repleto
de acaso e mutação.
Impossível não ter expectativas. E já que é impossível
não as ter, possível é limitar o seu efeito sobre nós.
Seremos tão mais felizes quanto mais formos capazes de limpar o "adiante"
dos ruídos do passado, o qual nos faz repetir e repetir as experiências
que já acumulamos, prisioneiros do "antes", quase nunca hospedeiros
do "vir a ser", mensageiros do "depois", admiradores do
acaso.
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