A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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Quando a real velhice chegar

(Marcial Salaverry)

O que poderá ser chamado de “real velhice”? É quando nossa saúde ou simplesmente o peso dos anos não nos permite uma atividade como tínhamos antes. Não existe idade pré-estabelecida para essa “real velhice”. É simplesmente quando nosso organismo não reage mais às ordens que o cérebro também já não é mais capaz de dar.

Algo em que todos nós, crianças, jovens, adolescentes, maduros, idosos ou envelhescentes, temos que pensar, é quando chegar a real velhice, ou seja, quando atingirmos aquela fase da vida em que a infância volta em sua plenitude, e voltamos a ter as mesmas necessidades que tínhamos quando recém nascidos.

Realmente, são duas fases da vida com semelhanças incríveis, ou seja, quando somos recém-nascidos, ou quando somos pré-falecidos. Sim, porque são aquelas fases em que nossa dependência é total e completa. Não somos capazes de viver por nossos meios.

Para uma simples locomoção precisamos de ajuda. Necessitamos de alguém que nos limpe. Voltamos a usar fraldas, agora chamadas eufemisticamente de geriátricas, mas sempre fraldas para que nossas sujeiras não se espalhem pela casa.

No princípio da vida, todos se ocupam conosco. Somos lindinhos. Nossas bochechas são constante e doloridamente apertadas.

Todos se preocupam conosco, com nosso futuro. Ajudam-nos a dar os primeiros passos, e ficam felizes da vida adorando aqueles tropeções e, às nossas quedas, correm para nos socorrer, enchendo-nos de mimos e vibrando com os sucessos dos primeiros passos, e cheios de planos para nosso futuro.

Depois, vem a outra e triste face da moeda. Somos incomodativos, nossa companhia passa a ser indesejável, e nossas bochechas são deixadas em paz.

Ninguém se preocupa com nossos últimos passos, e muitas vezes somos largados em uma cadeira ou mesmo na cama, porque “é mais confortável” ficar assim.

Muitas vezes, somos abandonados em asilos “onde poderemos ser mais bem cuidados, porque não existe tempo para nós”. Essa é a triste realidade que poderemos enfrentar “quando a real velhice chegar”. Quando tudo aquilo que fizemos no passado para o bem estar de nossa família é sumariamente esquecido, pois, conforme alegam, apenas “cumprimos com nossa obrigação”.

Não seria igualmente obrigação deles retribuir o que fizemos, dando-nos o mesmo carinho e atenção que lhes demos quando eram crianças?

Há que se notar que mesmo quando atingimos a idosidade, ainda continuamos a dar uma força enorme para todos. Claro que estaremos sempre fazendo algo pela família enquanto forças tivermos. E depois? É justo esse abandono total e completo? É justo sermos ignorados, precisamente no momento em que mais necessitamos da mesma mão forte que sempre oferecemos?

Nem sempre o quadro é tão triste. Existem muitos casos em que existe esse reconhecimento, e todo o carinho que os “reais velhos” necessitam é oferecido pelos descendentes. Ocorre que deveria ser uma regra geral.

Se estamos vivos hoje, é porque fomos bem cuidados pelos que agora deveremos cuidar.

A idade nos faz viver de recordações. De lembranças, de como fomos, de nossas atividades, e claro, isso sempre traz uma grande melancolia quando nos descobrimos incapazes de fazer aquelas mesmas coisas que fazíamos antes.

E mais tristes ainda ficamos, quando somos cobrados por não sermos mais capazes de dar aquele apoio, e passamos a necessitar de muita compreensão, amparo e, principalmente, carinho.

Ao olharmos “nossos velhos”, não poderemos jamais reclamar do trabalho que nos dão, dos cuidados que requerem, pois não poderemos nos esquecer de que lá chegaremos, e poderemos receber o mesmo que ora damos.

Enquanto refletimos sobre esse pormenor, podemos ter UM LINDO DIA.

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